Que horas são?

sábado, 17 de dezembro de 2011

                                                                      (Nem a Vida tem a nitidez necessária...)




"É urgente que eu entre,
Tudo o demais são amenidades.
Cerrar-me em casa, em livro,
em amor, em recipientes,
desabotoar o vestido não é entrar.
Estar em corpo não é entrar.
Jazer em saudades, póstumo,
não empurra para dentro.
Coeso em pele não é entrar
Dividir a solidão, amantes
sob um teto sonoro de chuvas.
Subir juntos à nascente
das águas; cobrir-se mútuos
de vários silêncios, um tapume
de frutas do esquecimento,
alheios à colheita, aos ciclos,
deixa-nos no átrio. O nascimento
não abre para o dentro. A morte
não é a porta do retirar-se
ao miúdo. Progredir em sombras
até fenestrar a luz não fende
o casulo. O amor não exaure
os degraus. A barca da solidão
não alcança a outra margem.
Desprender-se de si mesmo
não atravessa o umbral.
Entranhar-se ainda é fora.
Ensimesmar-se é apenas umbigo
da entrância do não conter-se.
Vem antes do início e transborda
o acabamento de um pergaminho
enrolado ou uma gema sepulta.
Vinhedo e vinhador, o dentro
é intransponível e urge que eu entre."




MARIA CARPI - poema nº 60 do livro  AS SOMBRAS DA VINHA










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