Que horas são?

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

domingo, 22 de dezembro de 2013

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Grilos, em coro.



Jim Wilson, que é compositor, gravou o canto dos grilos, de forma desacelerada. É a Natureza que surpreende, lindamente!


Ouça, aqui


"Wilson está sempre brincando com o tempo. Recentemente ouvi uma gravação de canto de grilo desacelerado. Parece como um coro, soa como música de anjos. Algo mágico, celestial com harmonia e partes de baixo, você não acreditaria. É como um pedaço do céu, e foi apenas porque ele desacelerou, não manipulou a gravação em nada. Então eu acredito que quando Wilson desacelera as coisas é porque isso dá a ele a chance de ver as coisas se movendo através do espaço. E isso é algo que deve ser dito para o mundo, desacelere.”


TOM WAITS  sobre o trabalho de  JIM WILSON



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013





O bater das asas dos pássaros imensos da devastação.  O som dos silêncios. O tempo arrastado das horas vazias. Vida que surpreende.
  

domingo, 15 de dezembro de 2013


Todos os anos, tradicionalmente, o Grupo Zaffari apresenta uma das campanhas mais  bonitas  sobre o Natal. 



"O filme de Natal do Grupo Zaffari de 2013 traz uma série de valores para inspirar todo mundo, não só na data especial, mas, diariamente.

Que você saiba como aproveitar os seus dias e as pessoas que ama.
Que você consiga dizer tudo o que sente.
Que você saiba agradecer.
Que você cuide das pessoas, dos animais e das plantinhas.
Que você valorize tudo aquilo que a vida lhe dá.
Que você entenda que toda hora é hora de ajudar alguém.
Que você pratique a gentileza no seu dia a dia.
E, por fim, que você compreenda que um simples gesto pode fazer a diferença na vida do outro.

Feliz Natal!"







sábado, 14 de dezembro de 2013

Amor Certinho



Um poema dedicado ao amor. 










E, em 2014, Fabrício Corsaletti ministra uma  oficina de contos, no NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS, do Espaço Revista CULT, em São Paulo.

Link, aqui.



Fabrício Corsaletti

"Formado em Letras pela USP, foi professor de literatura e redação e editor assistente na Editora 34. É autor de Esquimó (2010, poesia, Companhia das Letras, prêmio Bravo!), Golpe de ar (novela, Editora 34, 2009) e King Kong e cervejas (contos, Companhia das Letras, 2008), entre outros."



sexta-feira, 13 de dezembro de 2013




Recomendo a visita ao recém lançado site sobre Moacyr Scliar. É um lugar bonito, bem estruturado e com as melhores referências sobre o autor. Quem já conhece a sua obra, pode consultar e aprender. Aos que, por ventura, não o conhecem é  o melhor caminho para encantar-se.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013



"No mesmo rio nós pisamos e não pisamos.

Não se pode pisar duas vezes no mesmo rio.

Tudo flui e nada permanece.

Tudo cede e nada se fixa.

As coisas frias tornam-se quentes e as quentes, frias.

O úmido seca, o ressecado umedece.

E pela doença que a saúde dá prazer,

pelo mal que o bem apraz,

pela fome, a saciedade;

pela exaustão, o repouso.

É a mesma e uma só coisa estar vivo ou morto,

desperto ou adormecido, jovem ou velho.

Em cada caso, o primeiro aspecto torna-se o último,

e o último, novamente o primeiro,

por uma súbita e inesperada reversão.

Eles se separam

e depois se unem novamente.

Tudo vem na estação certa.

No mesmo rio nós pisamos e não pisamos. . ."



Heráclito



domingo, 8 de dezembro de 2013




"ele tem pássaros em sustenido

na ponta dos dedos


há noites em que esses pássaros entram no curso de minha respiração

e permanecem ali, secretos

até iluminá-la"




Mar Becker, que escreve com intensidade e beleza. 
Ela tem um blog, que, por ora, está restrito a leitores convidados.











sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CARTOLA, SUA FILHA CANTORA E O MUNDO DOS MESQUINHOS


Sidnei Schneider



"Após receber nova mensagem apócrifa sobre Cartola, na qual se afirma que sua filha teria sido prostituta, e tendo a percepção de que é incorporada como verdadeira por quem menos se espera, retomo mais uma vez a refutação dessa maledicência, associada indevidamente à letra de uma de suas mais belas canções, a célebre O mundo é um moinho.

Ver prostitutas onde elas não existem diz muito da psiquê inconfessável, da consciência prostituída e do ranço colonial dos que se dão ao exercício de inventar essas lorotas. Repassadas, na menos terrível das hipóteses, por quem não sente a menor desconfiança ante o que é apenas estúpido racismo e sentimento antipovo, ou, o que dá no mesmo, sem ter a mínima noção de que ao repassá-las se expõe ao ridículo, são úteis apenas a quem deseja o povo brasileiro eternamente dividido, para melhor subjugar o país.

“Escutar é complicado e sútil”, anotou certa vez o escritor Rubem Alves, ele mesmo relembrando Alberto Caeiro, “Não é bastante não ser cego/ Para ver as árvores e as flores.” Na tal mensagem, a reprodução da letra de O mundo é um moinho vem antecedida por este brinco de erudição e amor ao povo, em destaque e sublinhado: "Cartola fez esta música quando soube que sua filha era prostituta".


LEITOR DE POESIA


Antes de esmiuçar a questão, e já solicitando a licença de quem aguarda o seu desenvolvimento, talvez fosse interessante examinar outra inverdade. Volta e meia alguém diz que Cartola era analfabeto, pretendendo que, assim, estaria enaltecendo ainda mais sua criatividade enquanto letrista e músico. De variadas profissões ao longo da vida, entre as quais a de pedreiro e funcionário público, Cartola viu-se na contingência de trabalhar como lavador de carros e vigia de prédio numa época difícil, quando, mesmo já compositor de renome, chegou a ser dado como desaparecido ou morto, mas nem por isso era analfabeto. Se existiram, e talvez possam ainda existir, compositores e poetas sem letramento, por que tanta insistência no que não é verdade? Por que uma pessoa de origem humilde (não me soa precisa essa última palavra, mas vá lá) e pele escura teria necessariamente de ser analfabeta?

Herdeiro da tradição do samba e do choro, entre outros gêneros, Cartola era leitor de poesia. Para além das letras da mais alta inventividade que o precederam ou acompanharam, como as dos seus amigos Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e Zé Kéti, importa aqui saber o que lia em livro esse suposto analfabeto. Em entrevista ao crítico musical Tárik de Souza, em novembro de 1974, revelou o que fazia para compor: “Eu não tinha interesse nenhum por leitura. Mas um dia, quando eu estava mais ou menos com 25 anos, um primo me deu um livro de poesias de Humberto de Campos e eu gostei muito e passei também a ler Castro Alves e Guerra Junqueiro. Tem letras que vêm quase prontas. Outras vêm só com um pedacinho. Ponho num rascunho e guardo num canto até vir a inspiração. Prefiro fazer pouco mas fazer bem”. Tárik, que entrevistou Cartola diversas vezes, deu posteriormente um depoimento ao programa De Lá Para Cá, da TV Brasil: “Ele lia e citava Castro Alves e [o poeta português] Antero de Quental, era um aficcionado da poesia brasileira”.

Os pesquisadores Marília Barboza da Silva e Arthur de Oliveira Filho, no livro Cartola: os tempos idos (Gryphus, 2003), anotam: “A instrução oficial de Cartola resumiu-se ao curso primário, muito bem feito. A vida, porém, encarregou-se de completar-lhe a educação, fazendo-o ler poetas como Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, pessoas como Carlos Cachaça, Aluízio Dias, Noel Rosa, Carmem Miranda, Silvio Caldas e Villa-Lobos”. A tese de mestrado da neta de Cartola e Dona Zica, Nilcemar Nogueira (filha de Glória Regina), De dentro da cartola: a poética de Angenor de Oliveira (FGV, 2005), acrescenta à lista o nome de Luís de Camões e revela ser Guerra Junqueira o seu poeta preferido. A canção “Verde que te quero rosa” (Cartola e Dalmo Castelo), que daria título ao LP de 1977, dialoga com versos de Federico Garcia Lorca: “Verde que te quero verde./ Verde vento. Verdes ramas”. Ronaldo de Oliveira, filho adotivo de Cartola e Zica, entrevistado por Mônica Ramalho em 2002 para a pesquisa do musical Obrigado, Cartola!, declarou que ele “Podia não ter dinheiro para mais nada, mas não abria mão do jornal” (com o que não se deve concluir, evidentemente, que assimilasse sem crítica qualquer coisa que os jornais dissessem, muito pelo contrário, sem destacar que, em certa época, a leitura pudesse ser a do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, defensor dos legítimos interesses nacionais).

Além de ler a melhor poesia que estava ao seu alcance, era artista atento à complexidade do mundo, em constante exercício quanto a sua arte e seu instrumento, pois só de antecedências, mesmo que poéticas e musicais, ninguém realiza nada que permaneça. Então, de onde vem essa ideia de um Cartola analfabeto, se esse lavador de carros era mais letrado na complexa arte da poesia, como se pode facilmente presumir, do que seus detratores e supostos defensores? Um sujeito pobre e preto não poderia ter levado adiante, no mais alto grau, além de toda a história do samba, a tradição poética e letrada do país no campo da canção popular? Teria que ter lhe caído por de cima, sem qualquer esforço e aplicação, como efeito de mágica ou milagre? Por quê?


HISTÓRIA DE CREUZA

Quanto à inverídica prostituição, para começar, Cartola não gerou filhos, embora tenha criado os de Deolinda e Dona Zica, adotivos ou não. Nascido Angenor de Oliveira, ele e Deolinda, sua primeira esposa, adotaram Creuza Francisca dos Santos (1927-2002), nascida no Morro da Mangueira, filha de Rosa do Espírito Santo e Agenor Francisco dos Santos. Estes, os pais biológicos, eram amigos de Cartola e Deolinda, sendo esta última madrinha de batismo da menina. Quando Rosa, a mãe, faleceu em 1932, Creuza tinha apenas cinco anos, e Deolinda e Cartola, juntos há sete naquela época, ficaram com ela. Artista precoce, Creuza começou a cantar aos 14 anos, acompanhando Geraldo Pereira, outro grande compositor de Mangueira, em apresentações na Rádio Nacional, nas quais também cantava músicas de Cartola, que a levava e ensaiava. Assim, a menina aprendeu composições que mais tarde, com a morte do pai, resgataria da memória, inclusive várias inacabadas. Por essa época, integrou enquanto corista o grupo As Gatas, que acompanhava Herivelto Martins. Na década de 1960, apresentou-se ao lado de Cartola em shows na Boate Jogral (Ribeirão Preto-SP), no Zicartola e no Teatro Opinião (RJ), e também cantou ao lado de Genaro da Bahia.

Creuza tornou-se cantora (e não prostituta!) e participou da gravação do LP Cartola, o segundo com o mesmo nome, lançado pela Discos Marcus Pereira em 1976, hoje disponível em CD, no qual está a canção O mundo é um moinho. Em dueto com Cartola, ela interpretou “Ensaboa” (Monsueto e Cartola) e “Sala de Recepção” (Cartola). Em 1982, a gravação de "Ensaboa" foi inserida no disco "História da música popular brasileira" relativo a Cartola, vendido em bancas de revista.

Em 1984, quatro anos após o falecimento do pai, ela participou do LP Cartola entre amigos, com várias composições inéditas de Cartola. Creuza cantou a inédita "Rolam dos meus olhos" (Cartola) e integrou o coro nas faixas "Não" (Cartola e Aluízio Dias), "O samba do operário" (Cartola, Alfredo Português e Nelson Sargento) e "Deus te ouça" (Cartola e Paulo da Portela). Em 1986, o compositor e violonista Aluízio Dias fundou a Velha-Guarda da Mangueira e a convidou. Ao lado de Dona Neuma, Tia Zélia, Soninha, Zenith, apresentava-se regularmente na quadra da escola. No CD Mangueira chegou (Japão, 1989/ Brasil, 2000), interpretou a inédita "Pedi perdão" (Cartola) e, em dueto com Aluízio Dias, "O amor é isso?" (Aluízio Dias e Cartola). Em seu último show, como integrante da Velha-Guarda da Mangueira, na Sala Funarte Sidney Miller, apresentou duas inéditas de Cartola: "Serviço de roça" e "Por motivos de força maior", ambas finalizadas pelo filho Reizilan dos Santos, neto de Cartola. Em 2002, após seu falecimento, foi relançado em CD Cartola entre amigos. (Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira)


O MUNDO É UM MOINHO


Ao denunciar a mentira, Irinéa dos Santos, a mais velha dos cinco filhos de Creuza, disse que Cartola compôs O mundo é um moinho ao refletir sobre o que reservaria a vida para Creuza, então uma menina de 16 anos, que passava a se interessar pelos rapazes. Preocupações de qualquer pai amoroso em relação a sua filha, às quais é preciso somar a noção de liberdade artística. Cartola, igual a qualquer compositor, devia interessar-se pelo que a canção podia dizer aos outros, os seus ouvintes, e jamais a reduziu à situação doméstica. Visto que relevante é a maneira como cada ouvinte se apropria da canção, tornando-a pertinente à sua vida e experiência, e eu nem relataria o que relatei não fosse a necessidade de refutar algo tão ignominioso. O poeta e abolicionista Cruz e Sousa, no livro Faróis, ao antever as dificuldades do seu rebento na sociedade escravocrata, produziu algo de tom similar no poema “Meu Filho”: “Minh’alma se debate e vai gemendo aflita/ No fundo turbilhão de grandes ânsias mudas:/ Que esse tão pobre ser, de ternura infinita,/ Mais tarde irá tragar os venenos de Judas!”

Coloque-se o leitor no lugar dos filhos e netos de Creuza e Cartola, da população negra do nosso país, dos menos aquinhoados de qualquer descendência, que verá melhor, se acaso não for de um desses contingentes, a gravidade e a dimensão da ofensa perpetrada.

Num vídeo disponível na rede, recorte do documentário Cartola, música para os olhos, dirigido por Lírio Ferreira e Hilton Lacerda (2006), pode-se ver Cartola, acompanhando-se ao violão, cantar O mundo é um moinho a pedido do pai, que não via há anos (“Cartola e seu Pai - O Mundo é um Moinho” está com mais de 1, 652 milhão de visualizações no YouTube). Suponho que, se Cartola soubesse do epíteto de analfabeto, além de agradecer, declinando de tão honrosa Titulação Acadêmica, talvez até explicasse que um compositor popular ou negro não precisa ser iletrado, nem forçadamente pobre o tempo inteiro: aos 70 anos, perto do final da sua existência, ele pôde desfrutar, com muito orgulho, de algum conforto na casa de Jacarepaguá e adquirir um automóvel, que um familiar conduzia. As dificuldades da vida, porém, o maltrataram tanto, que em certos ângulos do vídeo, filmado bem antes dessa vitória, ele parece mais velho do que o próprio pai. É, gente assim, sensível para a arte e os outros, e dura o suficiente para prosseguir com a vida, deve mesmo despertar a ira, a inveja e a maledicência de certos espíritos."


O MUNDO É UM MOINHO

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés

(Cartola)







Sidnei Schneider é poeta, tradutor e contista.
Livros: Andorinhas e outros enganos (Dahmer, 2012), Quichiligangues (Dahmer, 2008), Plano de Navegação (Dahmer, 1999), Versos Singelos/José Martí (SBS, 1997). Participações: Poesia Sempre (Biblioteca Nacional/MinC, RJ, 2001), Antologia do Sul (Assembléia Legislativa, Porto Alegre, 2001), O Melhor da Festa 1 e 2 (Nova Roma, 2009; Casa Verde, 2009), Moradas de Orfeu (LC, Florianópolis, 2011) e outras dez. Participa do projeto ArteSesc, membro da Associação Gaúcha de Escritores.

Texto postado neste link

Blog do Sidnei 





O último milagre


Pedro Gonzaga



"E quando não houver mais distância e nem sombras, e quando tudo estiver às claras em óculos capazes de transformar as pessoas em prospectos de investimento, e quando as coisas forem de tal modo esvaziadas de fantasia — a ponto de só nos restar interesses práticos nos relacionamentos —, será que estaremos satisfeitos, libertos da última forma de milagre?

Simon May, em Amor, uma História, não à toa compara o sentimento amoroso (seja o humanitário, o familiar, o amical, o romântico) a um evento religioso no mundo, capaz de oferecer a quem o sente pertencimento e identidade, perspectiva de duração e de porvir, sem os quais a experiência humana tende a mergulhar no deserto do real, onde o sem-sentido natural de todas as ações vem a se tornar insuportavelmente inquietante. Para ajudar o argumento de May, basta vermos como vivem os que se esqueceram da transcendência do amor, capazes de adorar apenas os ícones (corpos), logo iconoclastas, logo incapazes senão de colocar novos ícones no mesmo lugar.

Em um sentido clássico (as revoluções dos costumes não o modificaram), o amor foi construído a partir de uma realidade física — o objeto eleito, associado a uma idealização desta realidade — a projeção do objeto, formada sobre o que desconhecemos (assim também o erotismo), que se revelará sempre de um modo diferente do antes imaginado, em luminoso choque com o que a fantasia inventara antes (no latim invenire é encontrar). Contraditório abismo, desconcerto que fez o autor de Os Lusíadas, Camões, dizer: "Da alma um fogo me sai, da vista um rio;/Agora espero, agora desconfio,/Agora desvario, agora acerto". Eleição cega, improvável e temerosa, beatífica, milagre por nós mesmos engendrado.

Mas imaginar hoje cansa. Supor é laborioso, o milagre, incerto. Simplicidade. Fotografemos tudo. Mistério se compra na butique. Para os recessos da casa sagrada, o sol das redes sociais. Mostremos tudo, rapidamente, no quero-não-quero de dedinhos ágeis no Tinder, submetamos desde já à faceirice boboca de balcão de bar de aplicativos tolos todas as pessoas possíveis, não com a doçura de um Petrarca, ou a cortesia de um Dante, não com o lirismo de um Bandeira, ou mesmo a dureza de um Drummond. Amemos como vampiros idiotizados, já sabemos a verdade, já a sabemos e a compartilhamos: os zumbis elegerão nossa nova Beatriz."



Jornal Zero Hora, Segundo Caderno, 05/12/2013




terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Inspiração

Paris 1950







DEZEMBRO





"Reveja teus dias e meses
Reveja teus olhares passados
Aqueles que você não soube dar
Ou ainda aqueles que ficaram a esperar de ti.
Reveja os maus humores
Reveja as alegrias que lhe foram concedidas
E compartilhe estas alegrias, 
Pois sempre haverá um olhar de esperança numa criança faminta de carinho.

Dezembro chegou

Reveja teus amigos
Repense as tuas negociações com a vida
Repense tuas generosidades que ficaram esquecidas.
Ser generoso não é dar o que te sobra, 
Mas repartir aquilo que você percebe de que o outro é carente.

Dezembro chegou

Repense os livros que não leste
Repense os livros que não deste
Repense os versos que não recitaste
Repense os passarinhos em seus voos
Repense as crianças sem asas
Repense os idosos com muletas
Seja asas para os que ainda não aprenderam o voo da vida.
Seja amparo para os que fraquejam diante do cansaço da vida.

Dezembro chegou

Reveja teus pais
Reveja teus familiares
Reveja teus filhos
Ou os parentes dos teus amigos.
Sempre haverá uma família a tua espera
Para te receber ou para que os acolha.

Dezembro chegou

Reveja tuas xenofobias
Pois os estrangeiros
São passageiros desterrados em busca de terra firme.
Seja terra fértil para aqueles que estão longe de suas casas e,
muitas vezes, a casa desabitada é só o eu interior: ethos. 

Dezembro chegou

Repense tua vida para o próximo ano
Repense tuas ideias, teus ideais
Repense tuas aventuras
Teus amores e não fujas de tuas dores.
Repense teus propósitos
Repense teus projetos
Repense teus sonhos,
pois talvez a realidade concretizada só esteja esperando teu próximo passo.

Dezembro chegou

E com ele a verdade maior das festas:
dos presentes e dos ausentes. 
Repense, pois o grande presente talvez seja a presença dos ausentes.
Seja 'presente' para os outros. 

Dezembro chegou

Este ano foi de plantio
O próximo será de colheitas.
Acredite!
E, se ainda houver tempo para repensar
Reveja minhas palavras em tua vida. 

Dezembro chegou"





Carlos Eduardo Leal é  psicanalista, escritor e artista plástico e sabe traduzir as emoções em poesia.


sábado, 30 de novembro de 2013




















"Kate MacDowell é uma escultora de porcelana conceitual. Em suas peças, Kate exprime o confronto entre o mundo natural e o impacto ambiental da sociedade moderna industrializada entrelaçando formas anatômicas dos seres humanos e dos animais."   ideafixa





segunda-feira, 25 de novembro de 2013



Refinar o passo, iluminar o caminho, acertar a direção. Pular amarelinha na sombras das árvores, recolher as folhas caídas, como se tesouros fossem. Passo certo, passo incerto, vontade de acertar. Ancorar o coração na estação do coração do outro que sabe receber e acolher. Um passo, de mãos dadas, e o caminho se ilumina. Vagalumear!


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

domingo, 17 de novembro de 2013




Carta 36

"Coloca as tuas mãos no meu rosto, agora. Douradas de amor. Não todo, claro. Só o-certo-amor. Aquele que nos apraz. Lendário. Inventado de madrugada. Na melancolia mansa das tuas pálpebras. Na intimidade branca das minhas pupilas. Essas, onde correm todos os lugares.Todos os rios. Todos os sítios. Ousando fazer coisas. Ousando dizer coisas. Semeando por aí, tão perto de nós, jornadas de campos longínquos. Adiados dentro de mim.
E, por cima: o meu sorriso. Aquele que dizias ser o teu jardim. A crescer. A florir. A prolongar-se nos teus olhos, que a certa altura emudecias. De tal forma que fazias parte dele, e nessa parte ele é, ainda, autenticamente Teu!"


ANA MARIA DOMINGUES, in CARTAS A ROMEU (Ed. de autor, 2013)





 





sábado, 2 de novembro de 2013

Frida e Diego

"O abraço amoroso do universo a Terra (México), Diego, eu e Señor Xolotl"



Carta da Frida para Diego:



Meu Diego:

Espelho da noite.


"Seus olhos verdes de espada dentro da minha carne. Ondas entre nossas mãos. Você todo no espaço cheio de sons – na sombra e na luz. Você será chamado de AUXOCROMO – o que atrai a cor. Eu, CROMÓFORO – o que dá a cor. Você é todas as combinações de números. vida. Meu desejo é entender linha forma movimento. Você preenche e recebe. Sua palavra cruza todo o espaço  alcança minhas células que são minhas estrelas de muitos anos retidas em nosso corpo. Palavras encadeadas que não poderíamos dizer exceto nos lábios do sono. Tudo estava cercado pelo milagre vegetal da paisagem do seu corpo. Sobre sua forma, ao meu toque os cílios das flores, os sons dos rios respondem. Todas as frutas estavam no suco de seus lábios, o sangue da romã…do sapoti e do puro abacaxi. Apertei você contra meu seio e o prodígio de sua forma penetrou meu sangue através das pontas dos meus dedos. O odor da essência do carvalho, a memória da noz, do hálito verde da cinza. Horizontes e paisagens – que atravessei com um beijo. Um esquecimento de palavras formará o idioma exato para entender os olhares de relance de seus olhos fechados.

Você está presente, intangível, e você é todo o universo que eu formo no espaço do meu quarto. Sua ausência jorra tremor no som do relógio, na pulsação da luz; seu hálito através do espelho. De você até minhas mãos eu percorro todo o seu corpo, e estou com você num minuto e estou com você num momento, e meu sangue é o milagre que viaja nas veias do ar do meu coração para o seu."

(A MULHER)












(O HOMEM)



"O milagre vegetal da paisagem do meu corpo está em você a natureza toda. Eu a atravesso em um voo que com meus dedos acaricia as colinas arredondadas…os vales, envolve-me a ânsia pela posse e pelo abraço dos galhos macios, meu corpo tudo parece o frescor de folhas tenras. O orvalho é suor de um amante sempre novo. Não é amor, nem ternura, nem afeto, é a vida em sua plenitude, a minha, que encontrei quando a vi em suas mãos, em sua boca, em seus seios. Na minha boca eu sinto o gosto de amêndoa de seus lábios. Nossas palavras jamais saíram. Somente uma montanha conhece as entranhas de outra montanha. Às vezes sua presença flutua continuamente, como se envolvesse todo o meu ser numa espera ansiosa pela manhã. Percebo isso quando estou com você. Nesse momento de quietude ainda pleno de sensações, minhas mãos estão mergulhadas em laranjas, e meu corpo se sente rodeado por você."


segunda-feira, 28 de outubro de 2013




Fui apresentada à Carla Furtado, pela generosidade da minha amiga Lília Tavares. É a poesia de Portugal, que tanto me encanta.
Para conhecer, um pouco mais da poesia da Carla, confiram o seu blog.



UMA PÉTALA QUE PERDIDA



"O meu amor por ti
nunca nasceu…
nascer é ter uma data
E isso, o meu amor não tem.


nasceu quando Alguém mo deu
E eu recebi-o como quem colhia
uma pétala que perdida voava
E em vão tentava
unir-se ao malmequer
De onde se soltara.


Estava quase morta
– A pétala – mas sorria.


E com os seus olhos brandos, esverdeados,
Apontava para a pequenina haste
Da flor que nas minhas mãos ardia
E suplicava por beber daquela seiva que subia.


E agora… eu que tentei
Dar vida ao que nem sei,
Vou morrendo
Ao mesmo tempo
Que na haste morre
A seiva que te dei.
E o nosso tempo
É somente o tempo
Da tua nossa seiva
Que gerei."


@ Carla Furtado Ribeiro, "Em Silêncio", Chiado Edit. , Lisboa 2013





domingo, 27 de outubro de 2013

A primeira biografia não autorizada



"– Senhor?

– Pois não?

– Adão na linha dois.

– Pode passar.

– Sim, Senhor. Só um minuto.

– Alô?

– Oi, Adão. Tudo bem?

– Mais ou menos.

– O que houve?

– O Senhor conhece um bom advogado?

– Advogado?

– Isso.

– Para que você precisa de um advogado?

– Acho que eu vou ser processado pelos macacos. Ontem recebi uma folha de bananeira na minha caverna. Era uma notificação judicial. Eles estão pensando em me processar.

– Mas por qual motivo?

– Porque eu comecei a escrever uma biografia sobre eles.

– Escrever o quê?

– A biografia dos macacos. Não é o Senhor que sempre diz que o que acontece aqui embaixo será extremamente importante na história?

– Sim.

– Estava pensando sobre isso e pensei em contar a história dos animais aqui embaixo. E decidi começar pelos macacos. Afinal, tudo o que acontece aqui embaixo está relacionado a eles, de um jeito ou de outro.

– Bem, isso é verdade.

– Então comecei a colher alguns depoimentos. Mas os macacos descobriam que eu estava fazendo isso e vieram falar comigo. Eles querem ler as folhas de bananeira antes dos outros animais.

– Como assim?

– Dizem que precisam aprovar tudo que esteja escrito. Eu não concordei.

– Fez bem. O que eles responderam?

– Nada. Um gorila me deu um murro na boca e eles foram embora. Aí, ontem, chegou a folha de bananeira escrita pela advogada deles. E logo depois ela veio falar comigo.

– Mas quem é a advogada deles?

– A serpente. Ela falou que qualquer coisa que for escrita sobre os macacos precisa ser aprovada por eles ou as folhas de bananeira serão confiscadas. Eu disse que tenho o direito de escrever a verdade. Por exemplo, o Senhor sabia que tem um babuíno que odeia os outros macacos secretamente?

– Não.

– Três animais me confirmaram isso. Uma águia, um gambá e um coelho. Dizem que ele está sempre reclamando dos outros macacos, mas não pode fazer nada, porque senão é expulso do bando.

– Mas por que você escreveria isso?

– Porque isso diz algo sobre os macacos. Isso mostra que os macacos não são tão unidos como falam. É uma informação importante para o resto do Paraíso.

– Concordo.

– Bem, a serpente não concorda. Ela quer que esta folha de bananeira seja revisada. Aliás, ela já começou a mexer na minha biografia antes mesmo de eu começar a escrever.

– Como assim?

– Ela deixou claro que a biografia precisa ter alguns capítulos específicos. Um deles precisa abordar como os macacos são superiores aos outros animais.

– Oi?

– Isso mesmo. Em outro capítulo, eu preciso dizer que as contribuições dos macacos para a arte e cultura do Paraíso são insuperáveis.

– Mas quais são as contribuições dos macacos para a arte e cultura?

– Foi exatamente isso que perguntei para a serpente.

– E o que ela respondeu?

– “Procure saber”.

– Soa meio arrogante.

– Concordo.

– Mas o problema é que, se você escrever somente o que eles querem, eles podem inventar qualquer coisa, sendo verdade ou não. Você não devia aceitar isso.

– Sim. Mas eles vão inventar tudo de qualquer jeito.

– Como assim?

– A serpente já avisou que se minha biografia não ficar boa, todas as folhas de bananeiras serão recolhidas e os macacos vão lançar sua própria biografia. Parece que eles já começaram a escrever. Tem até nome: Macacos do Paraíso: a Biografia. Depois vão decidir se lançam a minha ou a deles.

– Espere um pouco. Eles estão fazendo uma biografia. Por que você não pode fazer outra?

– A serpente disse que isso iria deixar os animais do Paraíso confusos. Falou que precisa existir somente uma obra, e oficial. Ou seja, vai ser a Macacos do Paraíso: a Biografia de qualquer jeito, escrita por eles ou por mim.

– Entendi.

– O problema é que eu já havia agendado diversas entrevistas. Uma delas parecia ser bem interessante. É de um leão que diz que um dos macacos escreveu uma canção sobre ele.

– Não sabia disso.

– Na verdade, não é um leão, é um filhote. Um leãozinho.

– Interessante.

– Aposto que seria uma história ótima. Mas não vale a pena fazer estas entrevistas se não vou poder escrever. O que o Senhor acha que eu faço?

– Adão…

– Minha vontade é escrever o livro e, se eles quiserem me processar, azar o deles. Mas preciso de um advogado. Aliás, tive uma ideia. O Senhor é bom com as palavras e…

– Não, Adão.

– Mas é que…

– Eu não sou advogado, Adão.

– Certo.

– Minha opinião é que você tem o direito de escrever quantas folhas de bananeira quiser sobre os macacos ou sobre qualquer animal que seja interessante. Desde que faça isso com responsabilidade.

– Mas entrevistar os animais e buscar provas do que eles falam para ver se é verdade não é ser responsável?

– Sim.

– E eu duvido que os macacos estejam fazendo isso. Aposto que eles vão esconder um monte de coisas! Ou o Senhor acha que eles vão dizer que, quando brigam, ficam jogando cocô um no outro?

– Com certeza, não irão falar.

– E todo mundo sabe disso. É nojento!

– Sim.

– Eles não deviam ter o direito de mudar a história assim.

– Sim. Mas, Adão… nós estamos falando de liberdade de expressão.

– Ei! Eles querem que eu use isso aí no livro!

– Como assim?

– Eles querem que eu diga que eles são grandes defensores da liberdade de expressão. A serpente disse que esse capítulo é bem importante e se não estiver do jeito que eles querem, o gorila vai me pegar. Só que eu nem sei o que é liberdade de expressão. Eu vou apanhar de novo, com certeza.

– Liberdade de expressão é o que dá aos macacos o direito de escrever a própria biografia como acharem melhor.

– Como assim? Eles vão mentir na biografia inteira! Eles têm esse direito?

– Sim. Mas é justamente por isso que eles não podem impedir você de fazer o mesmo. Toda história tem, no mínimo, dois lados. Mentindo ou não, eles não podem proibir você de contar o outro lado. Isso seria censura.

– Sem o quê?

– Censura. É uma palavra só.

– Entendi.

– Mas ainda acho que seria mais fácil se o Senhor os impedisse de mentir.

– Eu não posso fazer isso.

– Bem, o Senhor pessoalmente não… mas…

– Mas o quê?

– Bem… talvez um anjo ou dois…

– Adão…

– Com espadas de fogo…

– Não, Adão. Não posso fazer isso.

– Dizendo aos macacos que é proibido proibir…

– Não, Adão.

– Não faria mal algum um anjo descer até aqui e falar para aquele gorila que “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

– Adão…

– Que tal “Gorila, afasta de mim esse cálice”?

– Não, Adão.

– Tem razão. Acho que ele não iria entender o trocadilho.

– Adão…

– Eu contei para o Senhor que, segundo a serpente, eu devo dizer na biografia que foram os macacos que criaram o Paraíso?

– Oi?

– Os macacos exigem um capítulo dizendo, com detalhes, como eles criaram o Paraíso e todos os animais que moram aqui.

– Como é que é?

– Isso. E que eu sou estagiário deles e cuido do Paraíso que eles criaram.

– Os macacos criaram o Paraíso?

– Eles dizem que sim. Aliás, o Senhor poderia me dar uma entrevista sobre isso. Que tal? Duvido que tenham a coragem de mexer numa frase Sua. Quero ver aquele gorila vir peitar o Senhor!

– Não, Adão. Esqueça. Esse negócio de biografias passou dos limites.

– Sabia que eu devia ter falado sobre esse capítulo no começo da conversa.

– O quê?

– Nada. Estava apenas pensando alto.

– Certo. Esqueça esse negócio de biografias. Vocês aí embaixo não estão prontos para isso.

– Mas a história do Paraíso não poder ser apenas Macacos do Paraíso: a Biografia.

– A história do Paraíso vai ser contada de outra forma. Não se preocupe.

– Certo. Mas esse livro dos macacos pode…

– Eu vou resolver isso.

– Sim, Senhor. Aliás, se o Senhor quiser ajuda para escrever a história daqui, posso ajudar. Entrevistar alguns animais…

– Não, Adão. Vá cuidar do Paraíso.

– Bem…

– E esqueça isso.

– Sim, Senhor.

Deus desligou o telefone e se pôs a pensar. Um livro dizendo que os macacos criaram o Paraíso poderia causar estragos. Não imediatamente, mas no futuro. E estragos enormes. Mas era preciso agir com calma. Não podia incentivar a censura.

Assim, esperou pacientemente até que a biografia dos macacos fosse escrita. E, quando surgiram as primeiras folhas de bananeira assinadas pelos macacos, Deus desceu secretamente até o Paraíso e recolheu todas as cópias. Entregou todas elas a um anjo e pediu que arquivasse as folhas num local longe da vista de todos.

O anjo obedeceu. Guardou todas as folhas de bananeira num arquivo abandonado e, para afastar os curiosos, colocou uma placa “Não mexer! Risco de Processo!”. Entretanto, achou que era preciso colocar também algo dizendo sobre o que aquilo se tratava.

Resolveu escrever o nome do livro. Porém descobriu que o nome Macacos do Paraíso: a Biografiaera grande demais e não cabia embaixo da inscrição.

Abreviou o nome do arquivo para M.P.B., apagou a luz e foi embora."



ROB GORDON
Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.



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