Que horas são?

sábado, 10 de janeiro de 2015







                           














Dia 10. 

Em dezembro, janeiro era a promessa que alimentava os dias. 
Em dezembro os corações coloriam as férias de janeiro com as possibilidades que sustentam os sonhos.
Em dezembro a luz voltou a iluminar o olhar pálido de quem perdeu a esperança. E as sementes brotaram no jardim.
Em dezembro as saudades foram ditas, gritadas, escritas, registradas.
Em dezembro houve a ressurreição do que estava guardado, silenciado e aquietado. E as promessas de dias novinhos e felizes transformou-se em presente de Natal.
Em dezembro, janeiro era uma palavra/encontro.
É janeiro. O décimo dia.
Ainda é sonho. Que janeiro seja uma palavra/realidade. 
Que assim seja!











sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O PRIMEIRO ATENTADO



"— Senhor?

— Pois não?

— Adão está retornando Sua ligação. Ele está na linha sete.

— Pode passar.

— Sim, Senhor. Só um minuto.

— Alô?

— Oi, Adão, tudo bem?

— Tudo e o Senhor?

— Adão, que história é essa de que você atacou as girafas?

— Ah, o Senhor ficou sabendo?

— É evidente que Eu fiquei sabendo. O que aconteceu?

— Bem, na verdade, foram elas que começaram. Faz tempo que elas estão espalhando por aí que o Senhor não existe. Que o Senhor é uma invenção minha, e que os outros animais não deveriam mais acreditar no Senhor. Aí começaram a espalhar umas folhas de bananeira com piadas sobre isso.

— Piada?

— Isso. Eram desenhos insinuando que eu era o dono do Paraíso e havia inventado Sua existência. Outros mostravam o Senhor com chicotes e porretes, obrigando os animais a acreditarem na Sua palavra. Aí eu fui ali até onde as girafas ficam... Perto do lago, sabe?

— Sei.

— Fui até lá e arranquei todas as folhas das bananeiras que tem ali perto. Assim elas não fariam mais desenho nenhum. E expliquei que se elas continuassem com isso, eu iria voltar ali e faria muito mais que apenas arrancar as folhas das bananeiras.

— Sei.

— Mas no dia seguinte elas espalharam outros desenhos em folhas de bananeira. Não sei onde arrumaram as folhas.

— E o que tinha nos novos desenhos?

— Eu. Eu socando os outros animais e embaixo disso, a frase “Espalhando a palavra do Senhor”.

— Certo. E depois disso?

— Mandei pararem com isso. Acredita que no mesmo dia começaram a espalhar novos desenhos? Mostravam uma girafa amordaçada e a frase “não conseguimos dizem amém para certas coisas”. Aí eu voltei até o lago. 

— O que você falou?

— Não falei nada. Assim que encontrei uma delas, voei direto no pescoço. Quando eu a derrubei, as outras apareceram e eu dei socos e pontapés em todas elas. Acho que aprenderam a lição.

— Adão... Posso fazer uma pergunta?

 — Claro.

— Você é idiota?

— Oi?

— É uma pergunta simples. Você é idiota?

— Bem...

— Se você é incapaz de responder se é idiota ou não, é porque a pergunta já foi respondida. Vou tentar uma última vez. Você é idiota?

— Não. Não sou.

— Então por que você está agindo como se fosse?

— Como assim?

— Quem lhe deu o direito de agredir as girafas?

— Bem, elas estavam falando mal do Senhor. Falando que o Senhor não existe.

— E daí?

— E daí que é errado.

— Ah, é? Por quê?

— Bem... Porque o Senhor existe. Tanto que está aqui falando comigo.

— Sei. E você acha que isso lhe dá o direito de agredir um animal que não acredita em Mim?

— Bem...

— Você já parou para pensar que qualquer animal do Paraíso tem o direito de não acreditar em Mim?

— Mas foi o Senhor quem criou o Paraíso. E se foi o Senhor quem criou o Paraíso, foi o Senhor quem criou os animais. Então eles são obrigados a acreditar no Senhor.

— Obrigados?

— Isso.

— Adão, você acha que Eu criei o Paraíso porque você acredita em Mim. Se outro animal não acredita em Mim, é lógico que ele vai acreditar que o Paraíso foi criado de outra forma. Ele tem esse direito. Ele pode acreditar no que quiser. Aliás, ele pode até acreditar em nada, se preferir.

— Como assim, acreditar em nada?

— Ele pode acreditar que não foi criado por ninguém e que apenas apareceu aqui. E que o Paraíso sempre existiu, e que Eu não tenho nada a ver com isso, porque Eu não existo. É um direito dele.

— Mas é errado. O Senhor existe. As girafas...

— Você já parou para pensar que Eu posso existir para você ao mesmo tempo em que posso não existir para as girafas? O direito que elas têm de acreditar no que quiserem é exatamente igual ao seu de acreditar em Mim. E sabe o que você e as girafas devem fazer a respeito disso?

— O quê?

— Nada. Absolutamente nada. Vocês devem apenas continuar convivendo, cada um acreditando no que quiser, mas sem interferir com a crença do outro.

— Eu não posso conviver com um animal que não acredita no Senhor. Isso é errado.

— Adão, se você simplesmente se recusa a conviver com um animal que não tem fé em mim, Eu prefiro acreditar de uma vez por todas que as girafas tem razão. Talvez seja mais fácil Eu acreditar que não existo e que nós nunca nem conversamos, ao invés de aceitar que você é radical a este ponto. Prefiro acreditar que você é esquizofrênico e está sentado na sua caverna falando sozinho no escuro feito um louco, e pensando em maneiras de atacar as girafas. 

— Mas as girafas também não deviam fazer aqueles desenhos.

— Adão... Há quanto tempo você Me conhece?

— Bastante.

— Você realmente acha que Eu me importo com isso?

— Bem, é porque os desenhos...

— Adão, Eu fiz uma pergunta. Você acha que Eu me importo com um desenho?

— Não. Acho que não.

— Certo. Sabe por quê? Porque Eu estou ocupado demais me importando com as escolhas que vocês fazem todos os dias. Quero ver vocês felizes com vocês mesmos, com suas vidas, com seus valores. Quero ver vocês aprendendo e crescendo. Isso é importante para mim. Não um desenho feito numa folha de bananeira.

— Entendi.

— Adão, você acredita em Mim? Acredita que Eu existo?

— Lógico.

— Por acaso os desenhos das girafas fazem com que você acredite menos em Mim?

— Não.

— Então, pronto. Além disso, socar as girafas não vai mudar a forma que elas pensam. Vai apenas fazer com que elas sintam raiva de você. E, como resposta, você vai sentir raiva delas. E este ódio vai apenas aumentar.

— Entendi.

— E vai chegar um momento que vocês vão se odiar sem ao menos lembrar o motivo, porque logo essa raiva se tornará maior do que qualquer crença que vocês tiveram um dia. E aí finalmente você e as girafas vão passar a acreditar na mesma coisa: que o ódio é a resposta.

— Bom, desculpe. Mas eu fiz isso em Seu nome, porque pensei que...

— Meu nome?

— Sim.

— Em Meu nome? Eu pedi para você ir lá e socar as girafas? Eu pedi para você arrancar as folhas de bananeiras, ou para que você deixasse as girafas aterrorizadas?

— Não.

— Então, não diga que foi no Meu nome. Se você quiser ir lá e socar as girafas, faça isso porque você quis. Mas faça isso por você. Nunca mais diga que fez algo assim em Meu nome. 

— Mas é porque as girafas...

— Adão, você lembra o que Eu disse a você sobre os animais do Paraíso, numa das primeiras vezes que conversamos?

— Que eu devia amar todos os animais.

— Todos os animais ou todos os animais que acreditam em Mim?

— Todos os animais.

— Exato. A palavra chave é amor, Adão. O amor precisa ser maior que tudo. Maior que você, que as girafas, até mesmo maior que Eu. O amor precisa ser maior que qualquer crença ou forma de pensamento. Além disso, o amor tem uma coisa que as crenças não têm.

— Qual?

— Você pode não conseguir provar sua crença, mas consegue provar que o amor existe. Não em um momento ou outro, mas em todos os dias, com respeito, tolerância e compaixão. Independente de qual seja a sua fé. Porque todas as crenças são apenas expressões diferentes do mesmo amor. São caminhos diferentes que levam ao mesmo amor. Por isso não importa o nome da fé, e sim o amor que ela ensina. 

— E aqueles que não acreditam em nada?

— Eles não precisam acreditar nesta ou naquela fé para acreditarem no amor, e saberem que ele é necessário.

 — Não sei se entendi.

— Você ainda vai entender. Todos vocês. Vai demorar, mas vocês ainda vão entender.

— Sim, Senhor.

— Amanhã você vai pedir desculpas para as girafas.

— Certo. E vou falar que o Senhor perdoou o fato de que elas...

— Não, Adão. Você vai apenas pedir desculpas. E não vai falar uma palavra sobre Mim. Eu não perdoei as girafas porque elas não erraram Comigo. Quem errou foi você. Você errou com elas e errou Comigo. E você vai remediar isso.

— Certo.

— Não faça mais isso. Por favor.

— Sim.

— Até logo.

Naquela noite, Deus desceu até o Paraíso e caminhou pelos gramados. Adão e os outros animais estavam dormindo e não perceberam sua presença — caso estivessem acordados, não teriam reparado que cada animal enxergava Deus de uma forma diferente. Ele era o Deus de Adão quando passou perto da caverna de Adão, era o Deus dos macacos quando passou perto da floresta, era o Deus dos leões quando passou pelas savanas. E era o Deus das girafas quando se aproximou dos lagos, ajoelhou-se ao lado delas e curou seus ferimentos. 

Mas nem todos os animais estavam dormindo. Logo, a serpente estava ao Seu lado. Esperou Deus terminar de cuidar dos ferimentos das girafas antes de falar.

— Você sabe que eu não tenho nada a ver com isso, certo?

— Eu sei.

— E você sabe que isso ainda vai dar muito problema? Por séculos e mais séculos.

Deus respirou fundo. 

— Eu sei.

— Escute, quer beber alguma coisa e conversar? Eu tenho uma garrafa de...

— Não. Ainda preciso recolocar as folhas das bananeiras. Mas acho que depois quero ficar um pouco sozinho.

Deus disse isso recolocando as primeiras folhas nas bananeiras. Em todas elas, escrevia a frase “Eu Sou Charlie”. A serpente observou por alguns instantes antes de falar novamente.

— Olhe, pode subir. Vai descansar. Eu arrumo as árvores.

— Mesmo?

— Sim, fique tranquilo, eu resolvo isso. Pode subir.

— Certo. Obrigado.

Assim que Deus desapareceu, a serpente começou a recolocar as folhas. Estava na terceira folha quando sentiu o vento. E, antes da quinta folha, uma enorme tempestade começou a desabar sobre o Paraíso, fazendo todos os animais se aconchegarem em suas tocas, menos a serpente, que olhou para o céu, assustada.

Nunca havia visto Deus chorar tanto."



Rob Gordon
Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.





quinta-feira, 8 de janeiro de 2015





Dia 196


"O que leva um homem a mudar?
Talvez os erros, talvez a paixão, talvez a sombra do cansaço. Pego na tua mão e beijo-a. Pego na tua mão e danço. Pego na tua mão e apresso o movimento da terra à volta de nós dois. Pegar na tua mão é viver de novo a vida de uma forma inteira. Hoje, só o meu coração sabe dançar. A tua outra mão segura-o, partilha-o, é testemunha desta forma de alegria.
Escuta esta música que a noite sorri. Sente como, através dela, se excitam já os tímbalos, se apaixonam as cordas, como exulta o oboé. É uma música magnífica que se alimenta da luz, incandescendo as emoções. Pensamentos, desejos, nervos, tudo gritando por dentro. Não sinto o teu corpo, não sinto o meu corpo, tudo é transparência, tudo é fantasia, e assim são as palavras.
Movo-me contigo respirando o segredo nocturno dos desertos. Não tenho ideias, nem casa, nem sei adormecer.
Inspiro-te. Respiro-te. O cansaço é doce, estupendo, para sempre. À nossa volta tudo arde no fogo verde desta primavera, e a inquietação é um fruto excitante por colher. Não páres.
Continua a dançar comigo. Como se fizéssemos amor."


*
in ANO COMUM, Litexa



terça-feira, 6 de janeiro de 2015







Baciami Ancora


One due tre four.

Un bellissimo spreco di tempo
un'impresa impossibile
l'invenzione di un sogno
una vita in un giorno
una tenda al di là della duna

Un pianeta in un sasso l'infinito in un passo
il riflesso di un sole sull'onda di un fiume
son tornate le lucciole a Roma
nei parchi del centro l'estate profuma.

Una mamma un amante una figlia
un impegno una volta una nuvola scura
un magnete sul frigo un quaderno di appunti
una casa un aereo che vola.

Baciami ancora…
Baciami ancora…

Tutto il resto è un rumore lontano
una stella che esplode ai confini del cielo.

Baciami ancora…
Baciami ancora…

Voglio stare con te
inseguire con te
tutte le onde del nostro destino.

Una bimba che danza un cielo una stanza
una strada un lavoro una scuola
un pensiero che sfugge
una luce che sfiora
una fiamma che incendia l'aurora.

Un errore perfetto un diamante un difetto
uno strappo che non si ricuce.

Un respiro profondo per non impazzire
una semplice storia d'amore.

Un pirata un soldato un dio da tradire
e l'occasione che non hai mai incontrato.

La tua vera natura la giustizia del mondo
che punisce chi ha le ali e non vola.

Baciami ancora…
Baciami ancora…

Tutto il resto è un rumore lontano
una stella che esplode ai confini del cielo.

Baciami ancora…
Baciami ancora…

Voglio stare con te
invecchiare con te
stare soli io e te sulla luna.

Coincidenze destino
un gigante un bambino
che gioca con l'arco e le frecce
che colpisce e poi scappa
un tesoro una mappa
l'amore che detta ogni legge
per provare a vedere
che c'è laggiù in fondo
dove sembra impossibile stare da soli
a guardarsi negli occhi
a riempire gli specchi
con i nostri riflessi migliori

Baciami ancora…
Baciami ancora…

Voglio stare con te
inseguire con te
tutte le onde del nostro destino.

Baciami ancora…







Beije-me, novamente!


Um, dois, três quatro.

Um belíssimo desperdício de tempo
um objetivo impossível
a invenção de um sonho
uma vida num dia
uma tenda do outro lado da duna

Um planeta numa pedra, o infinito num passo
o reflexo de um sol sobre as ondas de um rio
Voltaram os vaga-lumes à Roma
Nos parques do centro o verão perfuma.

Uma mãe, um amante, uma filha
um compromisso, uma vez, uma nuvem escura
um imã de geladeira, um bloco de notas
uma casa, um avião que voa.

Beije-me novamente...
Beije-me novamente...

Todo o resto é um som distante
uma estrela que explode nos confins do céu.

Beije-me novamente...
Beije-me novamente...

Eu quero estar contigo
seguir contigo
todas as ondas do nosso destino.

Uma menina que dança, um quarto, um céu
uma estrada, um trabalho, uma escola
um pensamento que escapa
uma luz que toca
uma chama que incendia o amanhecer.

Um erro perfeito, um diamante, um defeito
um rasgo que não se costura

Uma respiração profunda para não enlouquecer
uma simples história de amor.

Um pirata, um soldado, um deus para revelar (ou trair)
e a ocasião que você nunca encontrou.

A sua verdadeira natureza, a justiça do mundo
que pune quem que têm asas e não voa.

Beije-me novamente...
Beije-me novamente...

Todo o resto é um som distante
uma estrela que explode nos confins do céu.

Beije-me novamente...
Beije-me novamente...

Eu quero estar contigo
envelhecer contigo
Estar sozinho eu e você na lua

Coincidência, destino
um gigante, um menino
que brinca com arco e flecha
que acerta e depois foge
um tesouro, um mapa
o amor que dita cada lei
para tentar enxergar
que existe lá no fundo
onde parece impossível estar sozinho
para olhar para si mesmo nos olhos
para preencher os espelhos
com nossos melhores reflexos

Beije-me novamente...
Beije-me novamente...

Eu quero estar contigo
seguir contigo
todas as ondas do nosso destino.

Beije-me novamente...

Beije-me novamente