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sexta-feira, 14 de março de 2014
DRÃO
Por trás da Letra: Drão
Gilberto Gil
"O compositor escreveu a música em 1981, poucos dias depois da separação. A letra é uma parábola sobre o amor, que não morre – e sim, se transforma. Assim como o trigo, ele nasce, vive e renasce de outra forma. Há referências à cama de tatame onde o casal costumava dormir (“cama de tatame pela vida afora”) e aos três filhos frutos do relacionamento deles (“os meninos são todos sãos”).
O curioso é que o próprio Gil era um dos poucos da roda de amigos que não chamava a mulher de Drão. Ele e Caetano a chamavam de “Drinha”.
O apelido foi dado por Maria Bethânia. Drão vem do aumentativo de Sandra, a terceira mulher de Gilberto Gil. Ao virar título de um dos maiores sucessos do compositor, o apelido incomum sempre foi confundido com a palavra "grão". Sandra Gadelha desfaz o mal-entendido e se assume como inspiração dos versos densos, compostos em 1981, em plena separação do casal. Gil diz que foi bem difícil escrever a letra, uma poesia profunda e sutil do amor e do desamor. "Como é que eu vou passar tanta coisa numa canção só?", questiona-se Gil no livro "Gilberto Gil-Todas as Letras" (Cia. das Letras).
Os dois foram casados por 17 anos e tiveram três filhos: Pedro, Maria e Preta. Hoje, aos 53 anos, Sandra mora sozinha no Rio, sonha em montar uma pousada e se lembra com carinho da canção que marcou o fim de seu casamento. Por uma feliz coincidência, Sandra costuma ouvir sempre a "sua" música no rádio do carro. Uma emissora carioca parece estar programada para tocá-la todos os dias, às 11h. A ouvinte especial está sempre sintonizada.
Sandra Gadelha: "Desde meus 14 anos, todo mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal [Costa], morávamos na mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano. Nossa rua era o ponto de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade. Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em São Paulo, e ele me pediu textualmente: 'Quer me namorar?'. Já tinha pedido outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei.
Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música 'Sandra'. Já 'Drão' marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.
Nos separamos de comum acordo. O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos. Com o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que adorávamos. No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar.
A primeira vez em que ouvi 'Drão' depois que Pedro, nosso filho, morreu [num acidente de carro em 1990, aos 19 anos] foi quando me emocionei mais. Com a morte dele a música passou a me tocar profundamente, acho que por causa da parte: 'Os meninos são todos sãos'. Mas é uma música que ficou sendo de todos, mexe com todo mundo. Soube que a Preta, nossa filha, chora muito quando ouve 'Drão'. Eu não sabia disso, e percebi que a separação deve ter sido marcante para meus filhos também. As pessoas me dizem que é a melhor música do Gil. Djavan gravou, Caetano também. Fui ao show de Caetano e ele não conseguia cantar essa música porque se emocionava: de repente, todo mundo começou a chorar e a olhar para mim, me emocionei também. E, engraçado, Caetano é o único dos nossos amigos que me chama de Drinha."
[FONTE: Rosane Queiroz - Revista Marie Claire]
segunda-feira, 10 de março de 2014
A mulher sagrada
"A Pilar del Río é uma mulher sagrada. Vários amigos perguntam-me pelos seus amores, admiram-na à distância cheios de encanto e receio. Todas as mulheres intimidam os fracos. Algumas intimidam os fortes. Raríssimas intimidam heróis. A Pilar é desta última espécie.
Alguns amigos apaixonam-se por ela sem coragem para se medirem com a sua inteligência, beleza ou elegância. Guardam-na na terra dos sonhos ou nesse lugar meio desligado da realidade onde estão as figuras do cinema e das capas das revistas estrangeiras.
Sacralizamos as pessoas pelo que simbolizam. A Pilar é a memória viva de um dos homens mais importantes de sempre da nossa cultura mas é, sobretudo, um ser humano cidadão, reclamando para si uma identidade sem paralelo. Quando pensamos em como é o mundo, usamos a Pilar para aludir à evolução, à democracia e à liberdade, como um nome que pode sumariar os nomes de mulheres e homens que, por toda a história, esperaram por um respeito maior.
Eu compreendo bem a ansiedade ao pé da Pilar. Também fico ainda atrapalhado, autoconsciente, a querer ser mais inteligente, ter melhores palavras, mais cabelo, menos barriga, a camisa bem passada, estar mais perfumado. Compreendo a ansiedade e leio as entrevistas que a Pilar dá, que são invariavelmente lições de grande conversa em que efectivamente muito do que acreditamos pode mudar.
Que segurança pode ter um tipo perante uma mulher capaz de o mudar? E, ao mesmo tempo, haverá maior fortuna do que a de encontrar uma mulher que nos fascine o bastante para que corrijamos tudo e sejamos melhores?
Gostar de alguém é sempre queremos ser melhor. Isso é basilar. A questão está em saber se melhoramos o suficiente para resistirmos quando comparados com a mulher em causa.
Haverá maior fortuna do que a de encontrar uma mulher que nos fascine o bastante para que corrijamos tudo e sejamos melhores?
Uma e outra vez, quando me perguntam se sei da Pilar, se há algum homem novo na sua vida, porque o tempo vai passando e ela é uma mulher muito nova e tão impressionante e a vida é recomeçar a cada dia, eu respondo que aguardo notícias. Pareço aguardar novidades acerca de algum cavaleiro educado que resgate uma donzela da sua torre, do seu altar, da extrema virtude ou da saudade infinita. Faço contos antigos de embalar. Gosto disso. Penso em cavaleiros muito corajosos que tenham valor humano bastante para derrubar todas as barreiras.
Encontro homens e mulheres que pensam na Pilar assim, como impecavelmente sentada, quieta, profunda, no centro de uma sala limpa, infinita, luminosa, branca, para adoração. Uma mulher sagrada, de facto. Que é o mesmo que dizer consumada, definida, completa, absoluta. Deve ser o mais perto do perfeito que possamos conceber e deve ser por isso, sem dúvida, que nos assusta. É uma demasia. Ao menos durante um tempo, enquanto estiver sozinha, a Pilar é uma demasia. Precisará da sua e da coragem de um grande homem para regressar à perdida e puramente humana condição.
Todas as viúvas de grandes homens que conheci trazem uma companhia invisível. Poucas são as que souberam afastar essa dimensão quase fantasmática de sobreviverem àqueles que acompanharam anos a fio. Essa companhia invisível somos nós que a percebemos. Manifesta-se na ansiedade que guardamos de que ainda nos tragam algo novo, nunca ouvido, não sabido, de quem já não está. A admiração por alguém que morreu resulta também na expectativa de que os seus sejam ainda uma sua emanação. E são. Mas isso não pode esgotar todo o seu propósito. Isso não pode esgotar quem sobreviveu.
Lembro-me de entrar na casa de Ângela de Oliveira, viúva de Carlos de Oliveira e de ela falar do Carlos como se fosse um Carlos gente, gente como a gente. Alguém. De cada vez que dizia o seu nome, eu achava que ele podia surgir de uma porta. A normalidade do seu nome na boca daquela senhora fazia com que ele estivesse presente. Era arrepiante e lindo. Bebemos água. Até a água me pareceu mexer sem que lhe tocássemos.
A Pilar diz José. O José está por ali. Sabemos bem disso. Mas Saramago não ia em conventos. E o amor é mutante. Não se perde. Imagina-se de outra forma. "
Valter Hugo Mãe
publico.pt/portugal
publico.pt/portugal
domingo, 9 de março de 2014
"Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
à saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.
Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber a coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente."
ROSA LOBATO FARIA ( 1932-2010)
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