Que horas são?

sábado, 17 de novembro de 2012

BASTA UM DIA

                                        (com os olhos no céu...)



"Pra mim

Basta um dia

Não mais que um dia

Um meio dia

Me dá

Só um dia

E eu faço desatar

A minha fantasia

Só um

Belo dia

Pois se jura, se esconjura

Se ama e se tortura

Se tritura, se atura e se cura

A dor

Na orgia

Da luz do dia

É só

O que eu pedia

Um dia pra aplacar

Minha agonia

Toda a sangria

Todo o veneno

De um pequeno dia




Só um

Santo dia

Pois se beija, se maltrata

Se como e se mata

Se arremata, se acata e se trata

A dor

Na orgia

Da luz do dia

É só

O que eu pedia, viu

Um dia pra aplacar

Minha agonia

Toda a sangria

Todo o veneno

De um pequeno dia"


Chico Buarque - 1975





Gonçalo M. Tavares - Uma descoberta apaixonante...







«'Jerusalém' é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!»
José Saramago, em discurso na entrega do prêmio atribuído ao romance, JERUSALÉM.

Gonçalo M. Tavares, escritor português, nasceu em 1970. Premiadíssimo, tem sua obra traduzida em vários idiomas. Um jovem autor que nos apresenta uma literatura viva, intensa e poética. E preciso observar: é um homem lindo!








O AMOR


"
Se chovesse (sempre) trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
e as nuvens no céu se repetissem na cor,
na forma, na velocidade, e na lentidão;
e se o sol permanecesse robusto e alto, constante
como o último andar de um edifício (bem construído),
de calor assim assim mas repetindo assim assim
de calor da véspera;
se o mau e o bom tempo fossem uma linha única,
paralela aos dias; se o verão e o inverno
em vez de dois fossem um,
como uma pedra é um, e uma árvore é um,
se, enfim, quem amas permanecesse amado por ti,
hoje exactamente como ontem,
e daqui a trinta anos exactamente como hoje;
então não existiria o tempo,
e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.
E se não há tempo
.........................não podemos trair."


Gonçalo M. Tavares
em "1"






Ouvi Anna, casada há mais de trinta anos com o cantor Lenine, dizer um trecho da música BEATRIZ para falar dos cuidados que pede um relacionamento.
Cuidar é um verbo para ser conjugado a dois. Eu te cuido. Tu me cuidas. Nós nos amamos. Assim deve(ria) ser. Amor é carpintaria, construção, mão que segura, colo que recebe, palavra que conforta. Seta e alvo. Claro e escuro. Delicadeza e força. Semente e flor.
Eu te cuido. Tu me cuidas. Só por hoje e sempre por um triz.
  
Para lembrar a cada dia: "para sempre é sempre por um triz..." 



"(...)Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz..."


Beatriz
Edu Lobo - Chico Buarque/1982











Música para cantar junto...




"É muito tempo a desejar o tempo
De mudar ventos, levantar marés
É muita vida a desejar o alento
Que faz saber ao certo quem és

É funda a toca onde te escondes tanto
Tem a distância entre o silêncio e a voz
A vida rasga bocadinhos gastos do mundo
Vai descascando até chegar a nós

A tu que sabes tanto de mim
Tu que sentes quem eu sou
Dá-me o teu corpo como ponte que me salva
Do que o medo fechou

São muitos dias a perder em vão
Sem nunca entrar dentro do labirinto
É muita vida a não ser o que tu sentes
A planar sobre o que eu sinto

É quase noite, não te escondas mais
Vai desatando até entrar o ar
Dá-me um gesto que me diga o teu fundo
Uma palavra para te tocar

Tu que sabes tanto de mim
Tu que sentes quem eu sou
Dá-me o teu corpo como ponte que me salve
Do que o medo fechou

Tu que sabes tanto do sol
És uma espécie de outra margem de mim
Olha-me dentro como chão que me agarre

Pode ser esta noite quente
A estrada aberta mesmo à nossa frente
E tu e eu a descobrir o ar
Não é preciso correr
Não é urgente chegar
O que é preciso é viver

Não é urgente chegar.
O que é preciso é viver"


Mafalda Veiga





Mia Couto esteve em Porto Alegre, e no dia 11 de novembro falou na Feira do livro. Fiz alguns registros em vídeo (da forma mais amadora possível!). Foi uma conversa interessante com os mediadores, Jane Tutikian, Donaldo Schüler, Ruy Carlos Ostermann (ex-patronos da Feira do Livro) e Bia Correa do Lago, escritora e jornalista. 


Mia vai de um assunto a outro com sensibilidade e franqueza. Passeia pelos temas.
É muito fácil encantar-se com ele.




Neste trecho da conversa ele fala sobre o futebol e sua analogia com a vida e a literatura...






Perguntado sobre as influências na sua literatura citou três nomes, e começa falando sobre "O Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa, que elegeu como livro de cabeceira...






Um momento inesquecível e cheio de aprendizados. Uma literatura para mudar sentimentos, transformar caminhos ou, simplesmente, encantar.





sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Anna e Eu

                                 Lenine


"Andei pra chegar tão longe
Daqui de longe eu olhei pra trás
E foi como ver distante
Eu atravessando os meus temporais
Ouvi Anna me chamando
Disse se eu não fosse eu não ia mais
Eu vi o que a gente fez pra chegar aqui
E o que a gente faz
Eu e Anna
Anna e eu
Sonhei muito diferente
Eu bati de frente, corri atrás
E foi como se eu soubesse
Inverter o tempo e arriscar bem mais
Eu vi que era o meu destino
Eu me vi menino
Em outros que fiz, andei pra chegar mais longe
E de lá de longe me ver feliz
Andei pra valer a pena
Olhei pra trás pro que é meu
Nosso passado me acena pelo que foi já valeu."


Hoje, Saramago completaria 90 anos...





INTIMIDADE

"No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade."



José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"







Lembro-me bem do seu olhar





"Lembro-me bem do seu olhar.

Ele atravessa ainda a minha alma,

Como um risco de fogo na noite.

Lembro-me bem do seu olhar. O resto...

Sim o resto parece-se apenas com a vida.




Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.

Olhei para as montras despreocupadamente

E não encontrei amigos com quem falar.

De repente vi que estava triste, mortalmente triste,

Tão triste que me pareceu que me seria impossível

Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,

Mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.



Fumo, sonho, recostado na poltrona. Dói-me viver como uma posição incómoda.

Deve haver ilhas lá para o sul das coisas

Onde sofrer seja uma coisa mais suave,

Onde viver custe menos ao pensamento,

E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol

E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais

Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.



Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,

Um coração exageradamente espontâneo,

Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,

Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,

Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove."



Fernando Pessoa


Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 152.





quinta-feira, 15 de novembro de 2012






Entre um pensamento e outro cabe um rio de saudade. 
Duas margens, muitas águas e uma sinuosa linha de afeto.
Palavras: pedras do rio moldadas pela passagem da água-pensamento.
Coração: nascente de todos os afetos.
Margem 1: o abraço do outro.
Margem 2: as mãos que te procuram.
Amor: águas que deságuam no (a)mar.
Entre o teu pensamento e o meu cabe o amor.

(pensamentos que insistem em virar palavras...)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Celebração em palavras...






Encontro é uma palavra que abraça.
Mão é uma palavra que pousa.
Vontade é uma palavra que move.
Beijo é uma palavra que promete.
Café é uma palavra álibi.
Memória é uma palavra sentido.
Fantasia é uma palavra que desperta.
Beijo, às vezes, é uma palavra roubada.


(exercitando palavras e lustrando memórias...)



                                                                     (O Tempo e eu...)



QUESTÃO




"Perguntei ao velho sábio do mar...
Como andavam as correntes do Tempo?

O velho senhor das marés incertas...disse-me:

- "Perdi a âncora do conhecimento..."






in - DA JANELA DO MEU (a)MAR - 2011 - José Luís Outono
Ed. Vieira da Silva —







                                  (vi uma figura feminina nesta árvore...)


Eis-me



"Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente."


Sophia de Mello Breyner Andresen



terça-feira, 13 de novembro de 2012

MIA COUTO

    Luiz Coronel, escritor e patrono da Feira do Livro/2012/POA e
    Mia Couto, escritor moçambicano.
      

Por que ouvir Mia Couto em um dia de domingo, fez paraíso dentro de mim.



“O paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos dentro de nós.”


Mia Couto, in "O Pensamento Frequente",p.23



domingo, 11 de novembro de 2012

"e se abraçar com força descomunal
até que os braços queiram arrebentar..."






TROVOA


"Minha cabeça trovoa
sob meu peito te trovo
e me ajoelho
destino canções pros teus olhos vermelhos
flores vermelhas, vênus, bônus
tudo o que me for possível
ou menos
(mais ou menos)
me entrego, ofereço
reverencio a tua beleza
física também
mas não só
não só

graças a Deus você existe
acho que eu teria um troço
se você dissesse que não tem negócio
te ergo com as mãos
sorrio mal
mal sorrio
meus olhos fechados te acossam
fora de órbita
descabelada
diva
súbita…
súbita…

seja meiga, seja objetiva
seja faca na manteiga
pressinto como você chega
ligeira
vasculhando a minha tralha
bagunçando a minha cabeça
metralhando na quinquilharia
que carrego comigo
(clipes, grampos, tônicos):
toda a dureza incrível do meu coração
feita em pedaços…

minha cabeça trovoa
sob teu peito eu encontro
a calmaria e o silêncio
no portão da tua casa no bairro
famílias assistem tevê
(eu não)
às 8 da noite
eu fumo um marlboro na rua como todo mundo e como você
eu sei
quer dizer
eu acho que sei…
eu acho que sei…

vou sossegado e assobio
e é porque eu confio
em teu carinho
mesmo que ele venha num tapa
e caminho a pé pelas ruas da Lapa
(logo cedo, vapor… acredita?)
a fuligem me ofusca
a friagem me cutuca
nascer do sol visto da Vila Ipojuca
o aço fino da navalha me faz a barba
o aço frio do metrô
o halo fino da tua presença

sozinha na padoca em Santa Cecília
no meio da tarde
soluça, quer dizer, relembra
batucando com as unhas coloridas
na borda de um copo de cerveja
resmunga quando vê
que ganha chicletes de troco

lembrando que um dia eu falei
"sabe, você tá tão chique
meio freak, anos 70
fique
fica comigo
se você for embora eu vou virar mendigo
eu não sirvo pra nada
não vou ser teu amigo
fique
fica comigo…"

minha cabeça trovoa
sob teu manto me entrego
ao desafio de te dar um beijo
entender o teu desejo
me atirar pros teus peitos
meu amor é imenso
maior do que penso
é denso
espessa nuvem de incenso de perfume intenso
e o simples ato de cheirar-te
me cheira a arte
me leva a Marte
a qualquer parte
a parte que ativa a química
química…

ignora a mímica
e a educação física
só se abastece de mágica
explode uma garrafa térmica
por sobre as mesas de fórmica
de um salão de cerâmica
onde soem os cânticos
convicção monogâmica
deslocamento atômico
para um instante único
em que o poema mais lírico
se mostre a coisa mais lógica

e se abraçar com força descomunal
até que os braços queiram arrebentar
toda a defesa que hoje possa existir
e por acaso queira nos afastar
esse momento tão pequeno e gentil
e a beleza que ele pode abrigar
querida nunca mais se deixe esquecer
onde nasce e mora todo o amor"


Maurício Pereira