Que horas são?

sábado, 26 de janeiro de 2013





"Por vezes, não raro,
basta um gesto, sua borracha,
um quase nada de alvaiade,
um rasgo e só.

No entanto, o carvão
de certas palavras,
de alguns nomes,
não se apaga fácil.

Afogá-lo, inútil:
o maralto traz
de volta cada sílaba 
em sal fortalecida.

Enterrá-lo? Logo renascerá:
árvore alta, trigo, praga.
No fogo, irrompe a letra,
inda mais sólida liga. 

Há que esperar do esquecimento
o dente miúdo 
e lento roer a nódoa na língua,
o travo no peito."


EUCANAÃ FERRAZ





in Dessassombro. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2001. 

in Dessassombro. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 2002.









sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


Almas em partitura. Quintessencia do ser que sabe ouvir com o coração. Iluminuras em notas musicais: Landfill Harmonic











quinta-feira, 24 de janeiro de 2013


                                                        (o muro e flor...)


uns mortinhos pequenos



"tenho uns caixõezinhos no coração que me
nasceram quando partiste.se regados com
cuidado, brotam mortos como flores negras pelo
interior das veias, que me assombram o sangue, corando
a minha pele numa vergonha e sentindo medo

são uns mortinhos pequenos que muita gente
nem sabe que existem. acreditar em fantasmas é
só possível para quem tem muito amor e recusa a
pequenez da vida sem continuação

tenho uns caixõezinhos no coração que se
abrem a toda a hora. quando me deito, ouço-os
embatendo de encontro ao peito, talvez com vontade
de ir embora, talvez só por ser o amor tão estreito"



valter hugo mãe









                                                                       (amanhã...)
                  



A Partir de Mañana



[Alberto Cortez]




“A partir de mañana empezaré a vivir la mitad de mi vida;
a partir de mañana empezaré a morir la mitad de mi muerte;
a partir de mañana empezaré a volver de mi viaje de ida;
a partir de mañana empezaré a medir cada golpe de suerte.


A partir de mañana empezaré a vivir una vida más sana,
es decir, que mañana empezaré a rodar por mejores caminos;
el tabaco mejor y también por qué no, las mejores manzanas,
la mejor diversión y en la mesa mejor, el mejor de los vinos.


Hasta el día de hoy, sólo fui lo que soy, “aprendiz de Quijote”,
he podido luchar y hasta a veces ganar, sin perder el bigote.
Ahora debo pensar que no pueden dejar de sonar las campanas,
aunque tenga que hacer, más que hoy y que ayer…
a partir de mañana.


Si a partir de mañana decidiera vivir la mitad de mi muerte
o a partir de mañana decidiera morir la mitad de mi vida,
a partir de mañana debería aceptar, que no soy el más fuerte,
que no tengo valor ni pudor de ocultar mis más hondas heridas.


Si a partir de mañana decidiera vivir una vida tranquila
y dejara de ser soñador, para ser un sujeto más serio,
todo el mundo mañana me podría decir: “se agotaron tus pilas,
te has quedado sin luz, ya no tienes valor, se acabó tu misterio”.


Cada golpe de suerte empezaré a medir a partir de mañana.
De mi viaje de ida empezaré a volver a partir de mañana.
La mitad de muerte empezaré a morir a partir de mañana.
La mitad de mi vida empezaré a vivir… a partir de mañana."




quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


                                                                     (o capim dourado, signo em mim)





DA CHEGADA DO AMOR


(Elisa Lucinda)




"Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o “garantido” amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.

Ah, eu sempre quis uma amor que amasse"




"Nunca sentiste uma força melodiosa
Cercando tudo que teus olhos vêem,
Um misto de tristeza numa paisagem grandiosa
Ou um grito de alegria na morte de um ser que queres bem?
Nunca sentiste nostalgia na essência das cousas perdidas
Deparando com um campo devoluto
Semelhante a uma virgem esquecida?
Num circo, nunca se apoderou de ti, um amargor sutil
Vendo animais amestrados
E logo depois te mostrarem
Seres humanos imitando um réptil?
Nunca reparaste na beleza de uma estrada
Cortando as carnes do solo
Para unir carinhosamente
Todos os homens, de um a outro pólo?
Nunca te empolgastes diante de um avião
Olhando uma locomotiva, a quilha de um navio,
Ou de qualquer outra invenção?
Nunca sentiste esta força que te envolve desde o brilho do dia
Ao mistério da noite,
Na extensão da tua dor
E na delícia da tua alegria?
Pois então, faz de teus olhos o cume da mais alta montanha
Para que vejas com toda a amplitude
A grandeza infindável da poesia que não percebes
E que é tamanha!"


[Adalgisa Nery]


                                                               (eternos em nós...)




CÂNTICO II



                        [Cecília Meireles]





"Não sejas o de hoje. Não suspires por ontens... 

não queiras ser o de amnhã. 
Faze-te sem limites no tempo. 
Vê a tua vida em todas as origens. 
Em todas as existências. 
Em todas as mortes. 
E sabes que serás assim para sempre. 
Não queiras marcar a tua passagem. 
Ela prossegue: 
É a passagem que se continua. 
É a tua eternidade. 
És tu."





terça-feira, 22 de janeiro de 2013







"Se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tenho só duas datas: a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra, todos os dias são meus."



(Fernando Pessoa)








Alice Ruiz é poeta que escreve como quem sabe tudo da alma. E sabe pontuar nossas inquietações, elevar o feminino. Faz o parto das nossas dores e celebra o amor em palavras que só ela conhece.
Leio seus livros com fome de poesia. Leio, releio, marco o texto, anoto as batidas do meu coração, admiro as palavras no lugar certo e o cuidado com que ela escreve.
Hoje é seu aniversário. Para celebrar, nada melhor do que conhecer um pouco mais sobre ela. Alice por Alice.

[Alice Ruiz entrevistada por Mario Silva, em Olinda, na última edição da FliPorto.]




Entrevista com Alice Ruiz



Segunda parte da entrevista com Alice Ruiz





Terceira parte da entrevista com Alice Ruiz




Parte Quatro...




Parte Cinco...




Parte Final...








Aniversário da Alice Ruiz

                                        (das pétalas e do tempo...)




"devia ser proibido
uma saudade tão má
de uma pessoa tão boa
falar, gritar, reclamar
se a nossa voz não ecoa
dizer não vou mais voltar
sumir pelo mundo afora
alguém com tudo pra dar
tirar o seu corpo fora
devia ser proibido
estar do lado de cá
enquanto a lembrança voa
reviver, ter que lembrar
e calar por mais que doa
chorar, não mais respirar (ar)
dizer adeus, ir embora
você partir e ficar
pra outra vida, outra hora
devia ser proibido"


Alice Ruiz



domingo, 20 de janeiro de 2013



Leia com o coração. Uma lição de amor e de paternidade...

       


                 
TELEVISÃO  DE  BEIJO





[Fabrício Carpinejar]



"Meu amigo Renato Godá tem um filho autista. 

É o Tom, 2 anos. Ele não é diferente de niguém. É como deveríamos ser: vulneráveis.

Tom não mente, não engana, não se protege como a gente. 

Um menino inteligente ao extremo. 

Sua inteligência é sensibilidade. Não descansa um minuto de sentir. De piscar comparações. De fazer operações matemáticas e musicais.

Uma pomba na janela é um terremoto. Um tombo na bicicleta é um colisão de estrelas. Mexer os cabelos é um aplauso.

Não há suavidade disponível para sua absorção. O conhecimento é feito por descobertas chocantes que exigem a mobilização do corpo inteiro.

É como se toda a lembrança fosse sublinhada. É como se toda a observação fosse inesquecível. 

Tom me encara de lado, seu ouvido é que me olha. 

Ele busca não interromper o ritmo das coisas. Os objetos têm sangue. Os objetos têm porta-retratos. Os objetos têm rosto. 

Imagine se você realizasse tarefas escutando seu batimento cardíaco? Este é o autista. om o ouvido de dentro e o ouvido de fora, simultâneos. A porta da sala bate na sala e no coração. O vento assobia na janela e no coração. 

Eu amo muito o Tom porque nunca vi um pai como Godá. 

Godá é aparentemente desajeitado, boêmio, bagunçado. 

Mas se dedica ao filho com uma delicadeza disciplinada que somente existe no interior dos animais selvagens. 

Sua paciência é um presépio inesperado no deserto. 

Ele explica três, quatro vezes, sem nunca alterar a doçura do timbre.

Sem jamais apresentar irritação pela repetição. 

Ainda que esteja compondo ou ocupado com a vida adulta, para a respiração e se põe a conversar. Usa as mãos com gestos lentos de giz. 

Toda resposta é nova mesmo que seja antiga. 

A atenção pede a mirada firme e cúmplice, com duas colheres de açúcar.

Tom pega o arroz com os dedos. Godá se aproxima e mostra que o garfo é mais divertido do que a mão. 

Tom volta a comer com a mão. Godá insiste que o garfo é uma extensão de boneco. Uma luva de robô. 

Tom entende por cinco minutos, e Godá rearticula a fábula acrescentando um detalhe a mais de ternura.

Naquela casa, a noite é tarde demais, a biblioteca é longe demais. As histórias estão pousando a qualquer instante. 

Tom beija a televisão. Godá diz que a televisão muito perto machuca os olhos. Tom beija de novo a televisão. Godá pede beijo no lugar da televisão. 

O pai é um televisor que não prejudica a boca. 

Tom ri alto. E beija o pai. Para depois voltar a beijar a televisão."






Postado na página do Fabrício Carpinejar , no Facebook...













Das possibilidades de ser feliz, fotografar ocupa um lugar especial na minha vida. Fotografo por que vejo. Fotografo por que sinto. Demorar o olhar é descobrir ângulos diferentes nas esquinas, cores nas dobras cinzentas dos dias. É dar significado ao insignificante, ao rotineiro, àquilo que pensávamos conhecer bem. Fotografar não pede mais do que alguns segundos e olhos atentos ao caminho. Talvez seja isto o que me faz tão bem: focar no caminho e (re)fazê-lo em descobertas. 






"captura
do instante apenas
o que seja

mel

e louva
átimos de doçuras
sempre

tão breves"


                    [Nydia Bonetti]