Que horas são?

sábado, 28 de janeiro de 2012

  

                                    P L A Y L I S T




                             
                                
Paul Motian : percussion
Bill Frisell : guitar
Joe Lovano : tenor sax









Evan Parker: soprano and tenor saxophone
Alexander von Schlippenbach: piano
Paul Lovens: selected drums and cymbals
Recorded on May 27th 1990 at the FMP-Studio, Berlin






So what - John Coltrane and Miles Davis



                     


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012






O que eu quero de você

                                         Uma lista de desejos para quem não tem medo de correr riscos


                                                                                      
IVAN MARTINS                                


"Muito tempo atrás, quando o réveillon se aproximava, uma pessoa querida me perguntou o que eu esperava dela no ano que iria começar. Eu disse que não sabia, e era verdade. É verdade, também, que, desde então, eu aprendi alguma coisa. Percebi, com algum arrependimento, que havia, sim, coisas que eu deveria ter dito e que talvez tivessem nos ajudado. Mas tive preguiça, ou não tive coragem, e deixei a oportunidade passar. Hoje, acho que as coisas que eu não disse são importantes, e talvez não apenas para mim. Publico, portanto, a minha lista atrasada de desejos, escrita com a maior franqueza possível, esperando que ela seja útil para outros homens – e outras mulheres também:

A primeira coisa que eu desejo é que você continue sendo como é.

Parece bobagem, mas, à medida que as relações avançam, as pessoas se transformam. Elas vão se acomodando em papéis que substituem a personalidade complexa e rica que costumavam exibir no início do namoro - e que continuam a ter fora do casal. Eu estou falando, por exemplo, da garota que banca a menininha, enquanto o cara assume o papel de papai. Ou da mulher que passa a agir como mãe (carinhosa ou rabugenta), enquanto o namorado ou marido faz papel de filho. Penso na garota que começa a tratar o parceiro como o bobinho querido que não faz nada direito ou, do contrário, passa a venerá-lo como se ele fosse incapaz de errar. Penso no cara que se acomoda ao ciúme da mulher (ou vice-versa), e passa a viver como se a desconfiança doentia fosse uma parte natural da vida.

Eu não sei de onde vem isso, mas acontece. É como a preguiça que deixa o homem no sofá enquanto a mulher levanta para fazer a comida, ou o hábito de muitas mulheres de nunca mais guiar um automóvel depois que um homem entrou na vida delas. São acomodações, relaxamentos, auto-indulgências que a gente se permite, mas talvez devesse combater. Alguém vai dizer que essas atitudes revelam quem somos e que um bom relacionamento é, justamente, aquele que nos permite relaxar, sermos nós mesmos sem disfarces e sem afetações. Eu duvido. Acho que esse personagem sem graça que criamos nas relações duradouras não nos revela. Ele é apenas um pedaço bobo e infantil de nós mesmos. Então, apesar do conforto que eu sinto ao seu lado, não tenho a menor vontade de virar um chinelo velho, um apelido ridículo, uma piada repetida no almoço de domingo. Quero continuar sendo eu mesmo - e não quero que você vire a caricatura da mulher que eu conheci.

A outra coisa que eu desejo é que você respeite a minha solidão.

Quando a gente está num relacionamento, é comum ter vontade de exigir a atenção do outro o tempo inteiro. “Me escuta, olha para mim, fala comigo, pega a minha mão, não me ignora.” Pode ser bonitinho, mas não é razoável. É importante poder ficar longe, mesmo estando na presença um do outro – estar quieto, lendo, trabalhando ou apenas imerso em si mesmo. É igualmente importante poder fazer coisas sozinho, entrar no cinema ou caminhar pela rua sem estar de mãos dadas. A cumplicidade, embora essencial, não nos transforma em uma única pessoa, e isso é bom. Mesmo apaixonados, ainda precisamos boiar sozinhos no mar interior e você não deveria se assustar com isso. Entenda como uma oportunidade de estar na sua, de forma segura: eu estou aqui, você conta comigo permanentemente, minha mão está ao alcance da sua. Mas, às vezes, vou exigir distância e solidão – e é importante que você compreenda isso.
saiba mais

Não quero ser o eterno pagador das contas.

Sei que ainda é mais difícil para as mulheres do que para os homens ganhar dinheiro, mas, acredite levar a vida nas costas, sem expectativa de rodízio, tampouco é a coisa mais relaxante do mundo. Homens sofrem e se arrebentam com isso. Morrem jovens ou se estropiam com o estresse da situação. Eles não podem ser demitidos, não podem falhar, não podem ser passados para trás. Quem vai pagar a escola das crianças e o plano de saúde da vovó? Num mundo em que as mulheres estudam, competem e também mandam, essa situação patriarcal deixou de ser natural e caminha rapidamente para se tornar intolerável.

Outro dia, vi na internet um vídeo em que um escritor que eu admiro, morto recentemente – o Christopher Hitchens -, dizia que não achava que as mulheres precisavam trabalhar. Se quisessem, tudo bem, mas não precisavam, pelo menos não a mulher dele. Fiquei chocado. Mais ainda quando mulheres que eu conheço começaram a dizer que era isso mesmo. Caramba: no século XXI, depois de toda a merda que deixamos para trás, há pessoas adultas que ainda sonham em viver sem fazer nada, como sinhazinhas do Brasil escravocrata. Quem vai ralar em dobro e morrer de enfarte antes dos 50 para satisfazer esse desejo? Eu não, meu amor. Espero que você compreenda e nos ajude a superar esse arcaísmo.

Finalmente, quero que você aceite correr riscos.

Quando nos conhecemos, eu escolhi você – e fui escolhido – em meio a um monte de outras pessoas. Essa opção não mudou e não mudará enquanto houver carinho e intensidade entre nós. Mas uma coisa, sim, mudou inteiramente: passamos a evitar as tentações da multidão. Um pacto de medo fez com que passássemos a evitar pessoas e situações que nos causam insegurança. Vamos ser francos: não é apenas aquele ex que incomoda, mas uma listinha de pessoas que parece crescer a cada ano, assim como a relação das situações que precisam ser evitadas. Ouvi uma amiga dizer outro dia: ir ao cinema com outra mulher é traição. Seria mesmo? Almoçar, passear, rir, fazer compras, se emocionar fora da relação, esses são todos atos de deslealdade? Não acho que sejam, não podem ser. O mundo, o nosso mundo, precisa ser maior do que isso.

Por isso eu falo de aceitar riscos. Quero que você entenda, e me ajude a entender, que ter alguém não significa não ter mais ninguém ao redor. Às vezes você vai querer jantar com um amigo ou terá desejo de ir a uma festa sem mim. Tudo bem, porque eu também tenho vontade de fazer essas coisas. Há riscos? Claro, eles estão por toda parte. As pessoas são encantadoras, bonitas, sensuais. Mas você e eu temos um pacto, explícito ou não, com ou sem data de validade, que nos mantém unidos e leais um ao outro. No dia em que ele deixar de ser válido, a gente senta e reconversa. Até lá, vamos viver sem medo. Ou enfrentá-lo."



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

AMOR ENSOLARADO E DELICADO










Sintonize o seu rádio
Procure em alguma estação
Se eu entrar nos seus ouvidos
Acelero seu coração

Mas não esqueça de mim
Agora eu corro com o vento
Você não pode me ver
Me guarde no pensamento

Minha voz vai se espalhar no ar
Cada verso que eu cantar
Os falantes te lembrarão
Minha voz é canção que não morre no ar

Nunca mais vou te deixar
Pois agora sou uma canção


Vídeo-Clipe do músico China. Disco "Simulacro". Gravadora: Candeeiro / Muzak. Direção: Eric Laurence. Produtora: Carol Virgulino. Rec Produtores.



domingo, 22 de janeiro de 2012



                                           (porque arrependimentos me assustam...)






Pentimentos, coluna de Contardo Calligaris na Folha de São Paulo


“Pentimento” é a palavra italiana para arrependimento, mas designa (em muitas línguas) uma pintura, um desenho ou um esboço encoberto pela versão final de um quadro.

Às vezes, com o passar do tempo, a tinta deixa transparecer uma composição em cima da qual o artista pintou uma nova versão.

Outras vezes, os raios-x dos restauradores desvendam opções anteriores, que permaneceram debaixo da obra final. Esses esboços ou pinturas, que o artista rejeitou e encobriu, são os pentimentos, que foram descartados sem ser propriamente apagados.

Visível ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história.

Pensei nisso assistindo a “Um Dia”, de Lone Scherfig, que estreou na sexta passada. O filme é a adaptação do romance homônimo de David Nicholls (Intrínseca), que foi uma das leituras que mais me tocaram neste ano e que já comentei brevemente na coluna de 21 de julho.

O livro e o filme (cujo roteiro é do próprio Nicholls) contam a história de Emma e Dexter, que são unidos pelo pentimento: cada um deles é o grande pentimento do outro -ou seja, ao longo dos anos, cada um é, para o outro, a lembrança de que um outro destino teria sido possível.

Reflexões, saindo do cinema:

1) Nossas vidas são abarrotadas de caminhos que deixamos de pegar; são todos pentimentos, mais ou menos encobertos: histórias que não se realizaram. Por que não se realizaram? Em geral, pensamos que nos faltou a coragem: não soubemos renunciar às coisas das quais era necessário abdicar para que outras escolhas tivessem uma chance. E é verdade que, quase sempre, desistimos de desejos, paixões e sonhos porque custamos a aceitar que nada se realiza sem perdas: por não querermos perder nada, acabamos perdendo tudo.

Emma e Dexter, por exemplo, ficam cada um como pentimento do outro porque nenhum dos dois consegue renunciar à sua insegurança (que é, aliás, o que os torna tão tocantes e parecidos com a gente): ela morrendo de medo de ser rejeitada, e ele, sedento de aprovação, fama e sucesso.

2) O problema dos pentimentos é que eles esvaziam a vida que temos. O passado que não se realizou funciona como a miragem da felicidade que teria sido possível se tivéssemos feito a escolha “certa”. Diante disso, de que adianta qualquer experiência presente? Emma e Dexter, por exemplo, são condenados a fracassos amorosos pela própria importância de seu pentimento.

3) Nem sempre os pentimentos são bons conselheiros -até porque, às vezes, eles são falsos (esse, obviamente, não é o caso de Emma e Dexter). Hoje, é fácil esbarrar em espectros do passado: as redes sociais proporcionam reencontros improváveis e, com isso, criam pentimentos artificiais. Graças às redes, uma história que foi realmente apagada da memória (não apenas encoberta) pode renascer como se representasse uma grande potencialidade à qual teríamos renunciado.

No reencontro, um namorico da adolescência, insignificante e esquecido, transforma-se em (falso) pentimento, ou seja, numa aventura que poderia ter aberto para nós as portas do paraíso (onde ainda estaríamos agora, se tivéssemos ousado trilhar esse caminho).

Quando examino as fotos de minhas turmas do colégio, sempre fico com a impressão de que deixei amizades e amores inacabados ou nem começados, mas que teriam revolucionado meu futuro. É como se me perguntasse “Quem era minha Emma? Para quem eu era o Dexter?”, fantasiando pentimentos de relações que nunca existiram.

Somos perigosamente nostálgicos de escolhas passadas alternativas, que teriam nos levado a um presente diferente. Se essas escolhas não existiram, somos capazes de inventá-las -e de vivê-las como pentimentos.

Avisos: os pentimentos não são necessariamente recíprocos, e os falsos pentimentos, revisitados, são pequenas receitas para o desastre.

4) Estreia amanhã “As Canções”, de Eduardo Coutinho. Homens e mulheres cantam a música que foi crucial na sua vida (e explicam por que ela foi crucial). Em alguns casos, especialmente"

(coluna de 17 de janeiro de 2012)




"...a casa da saudade é o vazio..."  Só os poetas conseguem as palavras certas para descrever o quem nem sabemos o que é.





saudade a lua brilha na lagoa
saudade a luz que sopra da pessoa
saudade igual farol engana o mar, imita o sol
saudade sal e dor que o vento traz

saudade som do tempo que ressoa
saudade céu cinzento à garoa
saudade desigual, nunca termina no final
saudade eterno filme em cartaz

a casa da saudade é o vazio
o acaso da saudade, o fogo frio
quem foge da saudade preso por um fio
se afoga em outras águas mas no mesmo rio












Para um dia de domingo, um texto delicioso do meu amigo CARLOS EDUARDO LEAL.

Há dias que também acordo outras e sei que tom terá meu dia. Talvez, por isto tenha me identificado tanto com este texto.

Busquei lá do seu blog,  
 um passeio pelas inquietudes literárias do Carlos Eduardo.



Os escritores e os dias




"Existem dias que acordo Fernando Pessoa. Então a vida me desnorteia em muitos eus profundos. Nestes dias desassossego em poesias e heterônimos. Corro para a Tabacaria mais próxima e fico absorto, sem metafísicas. Percorro Campos, perscruto Álvaros e Bernardos. Tenho abalos sísmicos com Ricardo Reis até que de repente tudo se acalma e quando vou ver a bruma noturna já engoliu o dia.

Existem dias que acordo Clarice Lispector. O mistério ronda a alma, o amor me acolhe de maneira incompreensível e quero pular para dentro de todas as palavras que ficaram interrompidas, todas as reticências que iniciaram frases. Dias assim, tenho saudades do bonde, do Jardim Botânico e de Macabéa. Preciso me recolher ao quarto da empregada e cheirar passados. Ulisses é a angústia por vir: medo e insegurança diante da aprendizagem do amor...e dos prazeres.
Existem dias que acordo Raduan Nassar. Então o incesto brota de forma larvar nas minhas reminiscências avoengas. Estou só. Planto Lavouras Arcaicas e sinto o ódio subir a sebe quando as putas das formigas destroem relações e transbordo copos de cólera.
Existem dias que acordo Samuel Beckett. Acordo com intermitências gritando nas veias: tento. fracasso. não importa. tento outra vez. fracasso de novo. fracasso melhor. tento de novo. falho de novo. falho melhor. Nestes dias não consigo parar de escrever. preciso parar de escrever. não quero parar de escrever. não posso. preciso. ainda mais. mais, ainda.
Existem dias que acordo Guimarães Rosa. Redemunhos e cãos ladram ao redor das minhas ideias. Tudo é um urubuquaquá no pinhém. Pego espingardas, chamo jagunços, embrenho sertões e amo Diadorim. Dias assim são para reinventar pedaços que ficaram desnorteados na vida. Os buritis dão sombra para minhas veredas. Fico na terceira margem das palavras banhando-me nas encostas da alegria. 
Existem dias que acordo Carlos Drummond de Andrade. O mundo torna-se grande como numa janela sobre o mar. Pergunto por José. E agora José? O tempo, o amor e o desejo respondem de outros lugares. Mergulho em poemas e memórias: "Amar o perdido/deixa confundido/este coração." Drummond é uma vida inteira em mim. 
Existem dias que acordo Dostoievski. Então acho, não sem culpas, que a beleza salvará o mundo. Cometo crimes e espero pelos castigos. Sou um idiota, mas é deste lugar que posso dizer o que quiser. 
Existem dias que acordo Nicolai Gogol. Então quero ser um inspetor geral das coisas que ainda não sei. E me faço passar por comprador de almas mortas. Sou rico. Farsantemente rico e opulento. E desdenho burguesias a ponto de meu nariz andar em pé sozinho, destacado do meu corpo.
Existem dias que acordo Machado de Assis. Então sou um bruxo do Cosme Velho e tenho ciúmes doentios de todas as capitulinas que me cercam. Faço uma canção para a missa do galo e desconheço-me se me retiram os espelhos. Em dias assim a dualidade da alma fica aos destroços.
Existem dias que acordo Nelson Rodrigues. Bonitinho, mas ordinário. E eu que não sou fluminense vou a todos os jogos deste time e creio na vida como ela é: "é impossível amar e ser feliz ao mesmo tempo" ou digo que "pouco amor não é amor". Dias assim, transbordo erótico. 
Exstem dias que acordo Paulo Coelho. Ai, nestes dias quero me matar. Nem levanto da cama porque acho que ainda estou tendo pesadelos..."


Para ouvir, Sinatra!





                              (Thales e eu no Paradouro Café, no Shopping Canoas)



Fotografar é levar o momento para a vida. Esta é uma das tantas felicidadezinhas que coleciono: fotografar momentos singelos que não inspirariam uma celebração.



Um café, no meio da tarde, com meu filho, pode render boas fotos, ainda que ele deteste ser fotografado, como bem denuncia a imagem acima. 

Sei que nada pode ser eternizado, mas podemos guardar um pouquinho de cada emoção que tivemos ao longo da vida. Sentiremos saudade de algumas coisas e nem lembraremos de outras. Então, poderemos rever as fotografias e rir, chorar, redescobrir detalhes dos momentos vividos.

Sugiro que fotografem muito, principalmente o cotidiano, o mais miúdo dos momentos, é uma bela maneira de valorizar a vida. Celebrem a simplicidade das horas, a naturalidade dos acontecimentos. Há uma beleza escondida nos cantinhos dos dias.

Bom domingo!