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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

100 ANOS DO ESCRITOR RUBEM BRAGA


RUBEM BRAGA  (12 de janeiro de 1913 -  19 de dezembro de 1990)










DESPEDIDA é um texto impecável do Rubem Braga sobre a maneira torta de dizer adeus. Não ousaria discordar, mas prefiro as palavras. O silêncio deixa entrelinhas que nunca serão lidas como foram escritas.
Rubem escreveu este texto em 1967, mesmo ano em que nasci, um período em que a carta trazia as boas e as más notícias. Mais de quatro décadas depois, eu falo, você ouve, nós nos comunicamos. Em segundos, pode-se iniciar ou terminar uma relacionamento. Esgote todos os recursos, do sinal de fumaça ao email, do código morse ao telefone celular, mas não use o silêncio. Ele não diz nada, apenas pergunta.
E leia Rubem Braga vez ou outra, as palavras dele são maceradas na experiência e no talento para viver.



DESPEDIDA





"E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.




Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.




E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?




Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. 




Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. 



A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo."







Rubem Braga, do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.





2 comentários:

  1. É que é difícil.
    Requer coragem. E certezas.
    Algumas pessoas não tem nem uma coisa, nem outra.

    Mas sempre dói.

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  2. Ah, Ana, acho que é exatamente assim como descreveste. E a certeza nos move em direção da coragem. Beijo e obrigada pela visitinha!

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