Que horas são?

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

QUE VENHA 2013!





"Água que deságua em água larga, de amor e de mar é nossa história de origens.
Abraços em concha, sonhos compartilhados, fluidos entrelaçados. Imensidão de onda é o filme genético, brisa que todos respiramos juntos.
No Ar, tudo igual; na Água, tudo igual; Terra e Fogo e também. Do pó ao pó, prima materia de que todos somos feitos. Fim e começo tudo igual, de claros e escuros nosso ser total. A Lua, sábia senhora, mãe, menina e anima, dança com o Sol a media luz e projeta seu Minguante.
Lua dos retornos, de murmúrios de raízes, de escuta atenta aos chamados de dentro. Na beira do mundo, os bichos humanos renovam seus calendários, resoluções, promessas, desejos e mais... Mensagens na garrafa lançadas ao cosmos, estilhaços de infinitas estrelas."


AMANDA  COSTA











NOTURNO

"Aquela última janela acesa
No casario
Sou eu..."




[Mario Quintana; Velório sem defunto, 1990]




                            (com os olhos no horizonte dos dias novos...)
                                                 





NO ANO PASSADO...




"Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".

Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova. Por essas e por outras é que, nestas calçadas claras do ano bom:

Rechinam teus sapatos rua em fora.
Tão leve estou que já nem sombra tenho
E há tantos anos de tão longe venho
Que nem me lembro de mais nada agora!

Tinha um surrão todo de penas cheio
Um peso enorme para carregar!
Porém as penas, quando o vento veio,
Penas que eram... esvoaçaram no ar...

Todo de Deus me iluminei então,
Que os Doutores Sutis se escandalizem:
"Como é possível sem doutrinação?!"

Mas entendem-me o Céu e as criancinhas.
E ao ver-me assim, num poste as andorinhas:
"Olha! É o Idiota desta Aldeia!" dizem..."



[Mario Quintana: Porta Giratória. São Paulo, Ed Globo, 3 edição, 1997]





domingo, 30 de dezembro de 2012

sábado, 29 de dezembro de 2012






"Escondo-me na minha flor, 
Para que, murchando em teu Vaso,
tu, insciente, me procures - 
Quase como uma solidão."




Emily Dickinson, trad. por Jorge de Sena



quinta-feira, 27 de dezembro de 2012






DIÁLOGO ENTRE GIRASSOIS





ELA: Eu amaria


ELE: A Maria é teu nome. Você é meu farol.



ELA: Eu vou brilhando pela luz dos teus olhos.


ELE: Brilhe que me faço espelho e te reflito mais! Teus gestos são delicados demais, suaves, acolhedores, aconchegantes...



ELA: estamos juntos em pensamento e amor...


ELE: poesia, cheiro e sabor... coisa mais encantadora é você dormindo, quietinha, não faz barulho para respirar, não espreguiça quando acorda.

Acorda bem de mansinho e eu te beijo. Seus olhinhos me cativaram.

Quando fomos jantar você perfumou, iluminou e embelezou o lugar, você é sensível e sofisticada, não é arrogante, preenche o ambiente onde chega. É uma pessoa alegre, tem humor fino... a vida com você é cheia de encantos e de prazer...




Diálogo que ouvi e guardei. Quando fotografei este girassol, no dia de Natal, resgatei estas palavras. Beleza, luminosidade, cor, inspiração. Mandala em flor. Mandala de amor.



quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

                                                                                              (a rosa e o tempo...)





Se o mundo acabar amanhã, levarei comigo todos os cheiros que senti, todas as lágrimas que chorei, todos os sorrisos que dei. 


Se o mundo acabar amanhã, levarei na bagagem a beleza e o mistério da maternidade. O som do primeiro choro do meu filho, a voz dele ao pronunciar meu nome, a intensidade do amor que nos une, a estranha sensação de olhar pra cima para poder vê-lo, porque ele cresceu e meu coração não viu.

Levarei, também, o sorriso da minha mãe, as manhãs ensolaradas com minhas avós, o som das brincadeiras dos meu irmãos, a lembrança da magia do teatro de sombras que meu pai fazia quando eu era uma menininha.


Se o mundo acabar amanhã, irão comigo o som das risadas, a cumplicidade das minhas amigas de infância e a certeza de que amizade também é amor. O primeiro livro que li será o prefácio da minha biografia. Os amores que tive estarão tatuados em mim. Os medos que senti estarão comigo na lembrança para que eu esteja alerta para os sinais do caminho. 

Se o mundo acabar amanhã terei provado da coragem daqueles que ousaram fazer diferente. Não esquecerei dos erros que cometi, eles são a prova de que a vida é um eterno aprendizado. E o acertos levo como currículo e referência.

Se o mundo acabar amanhã irei com o espírito livre das amarras das mágoas, porque aprendi que julgar o outro é tão nocivo quanto cultivar o ódio e que a empatia é uma qualidade essencial. Principalmente, levarei a beleza de ter (re)conhecido o amor quando ele  cruzou meu caminho, a coragem da entrega e os encantamentos que vivenciei.

Não quero contrariar as 'expectativas', mas penso que amanhã só dia irá terminar. Com um por do sol aquarelando o horizonte e uma noite enluarada com estrelas infinitas para embalar nossos sonhos. E, no dia seguinte, no dia depois de amanhã, no primeiro dia de um mundo novo, poderemos recomeçar, refeitos, aprendizes, inteiros. Encantados e agradecidos pelas novas possibilidades diárias de sermos outros e melhores.
Até lá!








quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


Assista e reflita...


(para assistir, clique no link abaixo)






                                                                 (a pétala que se fez coração...)




Acredito no AMOR simples, bom e verdadeiro. Sem atalhos, sem regras, sem denominações, sem disfarces. AMOR, simplesmente.
Um amor feito de cuidados e gentilezas, clareza e disposição. Que venha com a brisa das manhãs e seja iluminado pelas estrelas à noite.
Que não se vergue às adversidades e o pacto maior seja andar de mãos dadas pelos caminhos que a Vida apresentar.

Amor é entrega. Menos do que isto é arremedo  e tentativa.




terça-feira, 18 de dezembro de 2012

                                                                                                                    (nós...)
                                                      


"Como um pássaro cantando na chuva, deixe memórias agradáveis sobreviverem em tempos de tristeza." 



Robert Louis Stevenson



domingo, 16 de dezembro de 2012







Estou Mais Perto de Ti porque Te Amo



"Estou mais perto de ti porque te amo. 
Os meus beijos nascem já na tua boca. 
Não poderei escrever teu nome com palavras. 
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me. 

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto. 
Quero a tua boca aberta em minha boca. 
E amo-te como se nunca te tivesse amado 
porque tu estás em mim mas ausente de mim. 

Nesta noite sei apenas dos teus gestos 
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos. 
Trago as mãos distantes do teu peito. 

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte. 
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim. 
E eu estou perto de ti porque te amo. "


Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'









                


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

                                                                       (en)canto





LEVEZA



"Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve."



Cecília Meireles



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

VÊNUS

                                                   (tentando apre(e)nder)
                                                       





Por que quando não sabemos dizer, a poesia nos salva. 




VÊNUS



"Quando a sua voz me falou: vamos

Eu vi deus sentado em seu trono: vênus
A religião que nós dois inventamos
Merece um definitivo talvez... pelo menos

Perceba que o que me configura
É sempre essa beleza
Que jorra do seu jeito de olhar
Do seu jeito de dar amor
Me dar amor

Não te dei nada que seja impuro
No futuro também vai ser assim
Se hoje amanheceu um dia escuro
Foi porque capturei o sol pra mim


Perceba que o que nos configura
É sempre essa beleza
Que jorra do nosso jeito de olhar
Nosso jeito de dar amor
Nos dar amor

Não falo do amor romântico,
Aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento.
Relações de dependência e submissão, paixões tristes.
Algumas pessoas confundem isso com amor.
Chamam de amor esse querer escravo,
E pensam que o amor é alguma coisa
Que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.
Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,
Antes de ser experimentado.
Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta.
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.
O amor é um móbile.
Como fotografá-lo?
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo?
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor não nos domine?
Minha resposta? O amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores,
O amor será sempre o desconhecido,
A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.
O amor quer ser interferido, quer ser violado,
Quer ser transformado a cada instante.

A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,
Decidimos caminhar pela estrada reta.
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,
E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor e não podemos castrá-lo.

O amor não é orgânico.
Não é meu coração que sente o amor.
É a minha alma que o saboreia.
Não é no meu sangue que ele ferve.
O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.
Sua força se mistura com a minha
E nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu
Como se fossem novas estrelas recém-nascidas.
O amor brilha.
Como uma aurora colorida e misteriosa,
Como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,
O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.
Nós dançamos sua felicidade em delírio
Porque somos o alimento preferido do amor,
Se estivermos também a devorá-lo.

O amor, eu não conheço.
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,
Me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega.
Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.
Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto."




Paulinho Moska




      




segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A HORA DA ESTRELA


Dez de dezembro de 1920. Nascia, na Ucrânia, Haia Pinkhasovna  Lispector, a nossa Clarice Lispector. Veio para o Brasil aos dois meses de idade e considerava-se brasileira: "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" .







Sou uma iniciada na literatura de Clarice, saboreio seus livros como ritual de passagem, com a escuta das entrelinhas que me acompanham quando fecho o livro. 

Hoje ela completaria 92 anos e sua obra é atemporal e definitiva.

Para comemorar seu aniversário um trechinho de um texto seu:





                                                                   (tempo bom...)




Que as noites sejam travessias serenas para as manhãs de recomeços...porque o Tempo passa, escorre, flui.   Sem pausas. Tic...tac...tic...tac...




"Todos os dias quando acordo

Não tenho mais

O tempo que passou

Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo..




Todos os dias

Antes de dormir

Lembro e esqueço

Como foi o dia

Sempre em frente

Não temos tempo a perder.(...)"




(trecho da música TEMPO PERDIDO, Legião Urbana)



domingo, 9 de dezembro de 2012





Sou tão desapegada dos cuidados de beleza que não uso quase nada de maquiagem. Por pura indisciplina!  Ontem fui ao salão e a Juliana, que me atendeu, fez uma maquiagem levinha e gostei do resultado. Minhas amigas vivem falando que um rímel faz a diferença, que um batom dá uma cor, que é bom realçar os olhos e todas estas coisas. Nunca lembro, quando me dou conta já saí, ao natural, no máximo com um batom nude e perfume, este sim, fundamental, pra mim.

Ana Lúcia, minha amiga querida, aprovou a ideia e o resultado e postou lá no meu perfil do Facebook, trecho de uma crônica do Xico Sá - um homem que compreende a alma feminina:



"(...)E o momento da maquiagem, Marina, morena? Passo mal ao espiar ao longe. Sim, nada de acreditar nessa historinha de “você já é bonita com o que Deus lhe deu!”

Dorival Caymmi, saravá meu pai!, é uma beleza de homem, mas pinte esse rosto que eu gosto e que é só seu. Com todos aqueles lápis que lhe fazem uma criança brincando de colorir o desejo.(...)"

clique aqui para ler a crônica



Adorei o presentinho da Ana, pelas palavras do Xico. Fiquei inspirada e pensando que nunca é tarde para mudar os hábitos. Vou começar colorindo a Vida.



Blog da Juliana Bassani   (que também me deixou inspirada e é uma querida!)



                                



"...Que minha solidão me sirva de companhia.

que eu tenha a coragem de me enfrentar.

que eu saiba ficar com o nada

e mesmo assim me sentir

como se estivesse plena de tudo."



Clarice Lispector 



sábado, 8 de dezembro de 2012

MÃE, por Valter Hugo Mãe...

                          
                                     


                                     






Sempre desejei ser a mãe que soubesse honrar o céu que transporta dentro de si. A maternidade se  faz todos os dias, em aprendizado, por ensaio e erro, por amor e entrega. Desenho o céu que quis ser para o meu filho. Imenso céu  povoado de estrelas. Uma estrela  especial, generosa e brilhante ilumina meu caminho e aquece meu coração.  Acho que posso dizer, então: sou a mãe que transporta o céu dentro  de si.



“…as mães são como lugares de onde deus chega. lugares onde deus está e a partir dos quais pode chegar até nós. porque só através delas nos encontramos aqui. e, por isso, não há mãe alguma que não mereça o céu, porque em bem verdade, as mães transportam o céu dentro delas, e multiplicam-no a custo, como um ofício,(…)”





(Valter Hugo Mãe, que escreve o texto sempre em letras minúsculas e por isto a palavra Deus está escrita desta forma. Fidelidade ao texto.)



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

MONOTONIA




                                                       (registrei a poesia...)





"É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Monotonia

Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,

Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Ah! Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia...
E a própria dor - quem diria?
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma...
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida!
Ainda bem que tudo acaba...
Ai que vida tão comprida...
Se não houvesse a morte, Maria,
Eu me matava."


Mario Quintana, in 'Preparativos de Viagem'



                                              (uma beira do céu mineiro...)
                                                         



..."Beiras do Chico
Beiras sem fim
Beiras de Minas
Beiras de mim..."


(Carlos Brandão)





“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está , mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta.”


Machado de Assis, Dom Casmurro.




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012





CARTA  DE  AMOR


"Eu sabia que seria apenas depois de te teres ido embora que iria perceber a completa extensão da minha felicidade e, alas! o grau da minha perda também. Ainda não a consegui ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela caixinha pequena com a tua doce fotografia, pensaria que tudo não teria passado de um sonho do qual não quereria acordar. Contudo os meus amigos dizem que é verdade, e eu próprio consigo-me lembrar de detalhes ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente encantadores do que qualquer fantasia sonhadora poderia criar. Tem que ser verdade. Martha é minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que apesar de toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me deu esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais precisava. 

Quando tu voltares, querida rapariga, já terei vencido a timidez e estranheza que até agora me inibiu perante a tua presença. Iremos sentar-nos de novo sozinhos naquele pequeno quarto agradável, vais-te sentar naquela poltrona castanha , eu estarei a teus pés no banquinho redondo, e falaremos do tempo em que não existirá diferença entre noite e dia, onde não existirão intrusos nem despedidas, nem preocupações que nos separem. 

A tua amorosa fotografia. No início, quando eu tinha o original à minha frente não pensei nada sobre a mesma; mas agora, quanto mais olho para ela mais esta se assemelha ao objecto amado; espero que o rosto pálido se transforme na cor das nossas rosas, e que os braços delicados se desprendam da superfície e prendam a minha mão; mas a imagem preciosa não se move, parece apenas dizer: «Paciência! Paciência” Eu sou apenas um símbolo, uma sombra no papel; a tua amada irá voltar, e depois podes negligenciar-me de novo». 

Eu gostaria imenso de colocar esta fotografia entre os deuses da minha casa que pairam acima da minha secretária, mas embora eu possa mostrar os rostos severos dos homens que reverencio, quero esconder a face delicada da minha amada só para mim. Vai continuar na tua pequena caixinha e eu não me atrevo a confessar a quantidade de vezes, nestas últimas vinte e quatro horas, que tranquei a minha porta para poder tirar a fotografia da caixa e refrescar a minha memória."



Carta de Sigmund Freud a Martha Bernays, 19 de Junho 1882 (excerto)







O AMOR



"Deus — talvez esteja aqui, neste

pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,

de ti, em mim ficou. Está nos teus

lábios, na tua voz, nos teus olhos

,e talvez ande por entre os teus cabelos,

ou nesses fios abstractos que desfolho,

com os dedos da memória, quando os

evoco.



Existe: é o que sei quando

me lembro de ti. Uma relação pode durar

o que se quiser; será, no entanto, essa

impressão divina que faz a sua permanência? Ou

impõe-se devagar, como as coisas a que o

tempo nos habitua, sem se dar por isso, com

a pressão subtil da vida?



Um deus não precisa do tempo para

existir: nós, sim. E o tempo corre por entre

estas ausências, mete-se no próprio

instante em que estamos juntos, foge

por entre as palavras que trocamos, eu

e tu, para que um e outro as levemos

connosco, e com elas o que somos,

a ânsia efémera dos corpos, o

mais fundo desejo das almas.



Aqui, um deus não vive sozinho,

quando o amor nos junta. Desce dos confins

da eternidade, abandona o mais remoto dos

infinitos, e senta-se aos pés da cama, como

um cão, ouvindo a música da noite. Um

deus só existe enquanto o dia não chega; por

isso adiamos a madrugada, para que não

nos abandone, como se um deus

não pudesse existir para lá do amor, ou

o amor não se pudesse fazer sem um deus."



in 'Cartografia de Emoções' (2001)
Edições D. Quixote






LÍLIA TAVARES   (a publicar)


A CARLOS CAMPOS



"É por ti que se enchem os rios
de carpas azuis,
de águas que querem saltar
pela minha janela.
Como é belo este silêncio ilimitado
quando nas copas redondas das árvores
o teu nome me chama.
Pedi-te que apagasses a lua
e que nos campos tacteando te encontrasse.
Sei-te na aurora, por isso não temo
e agora a lanterna dos dias pode
por fim ficar em ventos de abraços.
Voam aves dentro dos teus sonhos
como memórias de pétalas acordadas.
Ficas ancorado dentro do meu tempo.
Não há saudade nem solidão
que se não derrube."