Que horas são?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012






O AMOR



"Deus — talvez esteja aqui, neste

pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,

de ti, em mim ficou. Está nos teus

lábios, na tua voz, nos teus olhos

,e talvez ande por entre os teus cabelos,

ou nesses fios abstractos que desfolho,

com os dedos da memória, quando os

evoco.



Existe: é o que sei quando

me lembro de ti. Uma relação pode durar

o que se quiser; será, no entanto, essa

impressão divina que faz a sua permanência? Ou

impõe-se devagar, como as coisas a que o

tempo nos habitua, sem se dar por isso, com

a pressão subtil da vida?



Um deus não precisa do tempo para

existir: nós, sim. E o tempo corre por entre

estas ausências, mete-se no próprio

instante em que estamos juntos, foge

por entre as palavras que trocamos, eu

e tu, para que um e outro as levemos

connosco, e com elas o que somos,

a ânsia efémera dos corpos, o

mais fundo desejo das almas.



Aqui, um deus não vive sozinho,

quando o amor nos junta. Desce dos confins

da eternidade, abandona o mais remoto dos

infinitos, e senta-se aos pés da cama, como

um cão, ouvindo a música da noite. Um

deus só existe enquanto o dia não chega; por

isso adiamos a madrugada, para que não

nos abandone, como se um deus

não pudesse existir para lá do amor, ou

o amor não se pudesse fazer sem um deus."



in 'Cartografia de Emoções' (2001)
Edições D. Quixote



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