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domingo, 20 de janeiro de 2013



Leia com o coração. Uma lição de amor e de paternidade...

       


                 
TELEVISÃO  DE  BEIJO





[Fabrício Carpinejar]



"Meu amigo Renato Godá tem um filho autista. 

É o Tom, 2 anos. Ele não é diferente de niguém. É como deveríamos ser: vulneráveis.

Tom não mente, não engana, não se protege como a gente. 

Um menino inteligente ao extremo. 

Sua inteligência é sensibilidade. Não descansa um minuto de sentir. De piscar comparações. De fazer operações matemáticas e musicais.

Uma pomba na janela é um terremoto. Um tombo na bicicleta é um colisão de estrelas. Mexer os cabelos é um aplauso.

Não há suavidade disponível para sua absorção. O conhecimento é feito por descobertas chocantes que exigem a mobilização do corpo inteiro.

É como se toda a lembrança fosse sublinhada. É como se toda a observação fosse inesquecível. 

Tom me encara de lado, seu ouvido é que me olha. 

Ele busca não interromper o ritmo das coisas. Os objetos têm sangue. Os objetos têm porta-retratos. Os objetos têm rosto. 

Imagine se você realizasse tarefas escutando seu batimento cardíaco? Este é o autista. om o ouvido de dentro e o ouvido de fora, simultâneos. A porta da sala bate na sala e no coração. O vento assobia na janela e no coração. 

Eu amo muito o Tom porque nunca vi um pai como Godá. 

Godá é aparentemente desajeitado, boêmio, bagunçado. 

Mas se dedica ao filho com uma delicadeza disciplinada que somente existe no interior dos animais selvagens. 

Sua paciência é um presépio inesperado no deserto. 

Ele explica três, quatro vezes, sem nunca alterar a doçura do timbre.

Sem jamais apresentar irritação pela repetição. 

Ainda que esteja compondo ou ocupado com a vida adulta, para a respiração e se põe a conversar. Usa as mãos com gestos lentos de giz. 

Toda resposta é nova mesmo que seja antiga. 

A atenção pede a mirada firme e cúmplice, com duas colheres de açúcar.

Tom pega o arroz com os dedos. Godá se aproxima e mostra que o garfo é mais divertido do que a mão. 

Tom volta a comer com a mão. Godá insiste que o garfo é uma extensão de boneco. Uma luva de robô. 

Tom entende por cinco minutos, e Godá rearticula a fábula acrescentando um detalhe a mais de ternura.

Naquela casa, a noite é tarde demais, a biblioteca é longe demais. As histórias estão pousando a qualquer instante. 

Tom beija a televisão. Godá diz que a televisão muito perto machuca os olhos. Tom beija de novo a televisão. Godá pede beijo no lugar da televisão. 

O pai é um televisor que não prejudica a boca. 

Tom ri alto. E beija o pai. Para depois voltar a beijar a televisão."






Postado na página do Fabrício Carpinejar , no Facebook...









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