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quarta-feira, 10 de outubro de 2012



DIA 289




"Vem a chuva, não vem a chuva, e o meu amor suporta este frio


que arrepia os seixos mas dá impulso aos tordos, às narcejas e

ao passo ansioso dos caçadores. Ninguém se lembra da ansieda-

de dos amantes, daqueles que trocam o mundo por um gesto e

se dispõem a libertar o corpo na mais dura das prisões: a paixão.



Vem a chuva, não vem a chuva, e o meu amor tem a profundida-

de das raízes da macieira, a cor e a doçura das maçãs, a plastici-

dade da nuvem, a paciência da água. Mas os amantes não vivem

numa casa branca cheia de toalhas brancas, cortinas brancas, ro-

sas brancas e brancas esperanças. O amor é rútilo e agita-se co-

mo um peixe que viajasse por dentro do corpo até atingir o cora-

ção, em festa, em êxtase, em antecipação aos céus negros e às

tempestades que podem desabar.



Vem a chuva, não vem a chuva, e o meu amor requer para si to-

do o tempo do mundo, todos os frutos da ternura que as mãos

podem colher na árvore do corpo. Sagrado é esse amor em que

o espírito se faz carne, em que a carne se faz chama e em que a

chama se faz vida. Sagrada é a beleza desse pássaro sensível, le-

ve e misterioso, que descansa no orgulho dos amantes.



Vem a chuva, não vem a chuva, e o meu amor empurra-me para

um círculo que é o centro do mundo, que é o centro da vida, pa-

ra que seja feliz nesse espaço e neste tempo, o tempo de saber

que nada tem um preço mais caro que o amor, mas que todos,

até os indigentes, o podem suportar.



Vem a chuva, não vem a chuva, e o meu amor será um cântico

mais a juntar aos cânticos entoados pelos mais felizes corações

do mundo."






JOAQUIM PESSOA in 'ANO COMUM'
(Introd. de Robert Simon; Posf. de Teresa Sá Couto)
Litexa Editora, 2011.







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