Que horas são?

domingo, 8 de abril de 2012




Este texto é daqueles que sentimos uma certa inveja por não ter escrito. Fala sobre este amor padronizado, previsível, que tanto se vê por aí.  Das relações por conveniência, por acomodação, que sobrevivem pela preguiça que uma das partes (ou ambas) sentem de seguir em direção ao novo. Pelo medo de arriscar, de sair da sua zona de conforto emocional e físico.  Do amor contaminado pelo uso de manuais e regras. Do pânico de andar à beira do precipício. Sim, porque no amor não há garantias, apenas entrega e dedicação.
ELE/ELA será fiel? Não há garantias! ELE/ELA me amará para sempre? Pode ser que sim, pode ser que não. Contrato algum assegura o amor. Temos o direito de amar e desamar na mesma proporção, mas quando AMAR, entregue-se de corpo, alma, coração e pensamento. Rasgue os manuais, infrinja as regras, fale, demonstre, conte, desbrave novas possibilidades, sorria, chore, cante o seu amor.
Não sabote o amor quando ele se apresentar em sua vida. Receba-o de alma e coração abertos. Se ele durar para sempre, será maravilhoso. Se não, chore, arraste suas correntes por aí, sinta a sua dor, elabore a perda, e se prepare porque um outro amor virá, outro amor o encontrará. Não se defenda! AME ! MUITO!




UM  ELOGIO  AO  AMOR  PURO




"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banancides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. é uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra.

A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."
 
 

Texto de Miguel Esteves Cardoso in Expresso

 
 
 
 



6 comentários:

  1. Texto perfeito, Ana Maria! Quando é AMOR existe companheirismo, cumplicidade, paciência, enfim, como disse Carlos Drummond de Andrade: "Existem muitos motivos para não se amar uma pessoa, mas apenas um para amá-la."
    Bjim

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  2. Ai, eu adorei, adorei, adorei e adorei!!!!!! Tá valendo, Ana Maria!!!!! Adoreiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

    beijos
    Neusa

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  3. Rosamaria! Drummond sabia das coisas, o amor nem se explica! beijo

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  4. Neusa, como é bom ler um elogio, ainda mais vindo de quem escreve tão lindamente como tu. Obrigada!
    Venha sempre! bj

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  5. Lembro das palavras do Chico:
    "Há de haver algum lugar
    Um confuso casarão
    Onde os sonhos serão reais
    E a vida não
    Por ali reinaria meu bem
    Com seus risos, seus ais, sua tez
    E uma cama onde à noite
    Sonhasse comigo
    Talvez"
    É na poesia e no sonho que este amor existe e se concretiza.
    Linda sua visão do amor!

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  6. Poeta Eurípedes! Tens te revelado um poeta! Bj

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