O AMOR
"Chega de escrever
Sobre o amor
Como tenho feito,
Chega de trazer
a exaustão e a dor
ao peito machucado,
chega de esperar
fecundidade na
areia calcinada
Vou atrás de outro
assunto, de outro
sentimento menos
bruto e selvagem
do que o amor,
vou procurar
alhures
encontrar a
suavidade que o
amor não traz,
parto em busca
de uma outra
fome,
de uma outra
sede,
de um parto
de nova criatura
Vou à História,
à Geografia,
à Física,
à Química,
à Biologia
e a algum outro
saber humano
que bem maneje
malabares
dentro do tempo
e nalgum espaço,
há de haver um certo
entendimento
organizado pelos
estudiosos, pelos
lentes das universidades,
pelos gênios dos laboratórios,
pelo engenho humano
desde o princípio
de nós
E transito agora
entre livros,
nas vastas bibliotecas
dos eruditos,
dos sábios,
das pessoas de
imensa formação,
e abro todas as folhas,
e fecho todas elas
também,
porque são insípidas
e são cansativas
e são insensíveis,
e prossigo agora
a conversar com
esses homens todos,
alimentando minha
esperança de odiar o amor
porque nada me trouxe,
nada me deu
E nisso estou há muitos anos,
e caminho já fatigado
por todas as estradas
que conheci
depois que o amor
de mim desdenhou,
adoeceu meu coração
com sua doença
incurável,
e me trouxe todos
os custos,
todos os preços
e todas as quantias
que um pobre espírito
há de pagar
- e não pode pagar -
para sorrir
enquanto ama
e é amado
Eu sou sua vítima
e quero seu fim,
sua morte,
e pesquiso ainda
em bibliotecas
e consulto
homens de saber
para que me digam
como bem odiar
o amor,
e eles me dão conselhos
confusos
e me dão bússolas
que não quero,
palavras que desconheço
e fraternidade duvidosa,
não sabem falar do amor
e não sabem como odiar
o amor,
como eu odeio há tantos
anos,
desde que morri de amor
e fiquei insepulto
como um Polinice
sem Antígona,
e desde então
sobrevoam pássaros
mórbidos
sobre meu corpo
caído ao chão,
morto de amor
Mas eu,
depois de tanto tempo
buscando matar
quem me matou,
definindo meu
maior oponente
e planejando
fazê-lo sofrer
como a mim
ele fez,
eis que abro todos
os livros do mundo,
irrompo em todas
as bibliotecas
da Terra,
converso com
todos os eruditos
e todos os sábios,
todos os professores,
todos os antigos
preceptores,
e vejo que não há,
nem nos livros,
nem nas bibliotecas
e nem no coração
dos homens de saber
um assunto que,
mesmo sendo
esse horrível
amor,
a ele supere
E é quando
então sinto a
desesperação
de precisar seguir
com ele sobre mim
revoando,
de precisar cumprir
meus dias
com o amor na cabeça,
de aceitar
meu coração arrebentado
E depois, por fim,
definitivamente estafado
por tanta busca,
vem-me subitamente
a impressão
de que o amor
apenas me entrara mal
ao coração,
e que agora, se bem nele entrar,
será o que sempre
disseram os que não
consultei,
- eles, os poetas -
para tornar-se o
alimento da minha fome
e a água da minha sede,
e eu o perdoarei
porque não o
havia compreendido
diante da frágil
tessitura que o compõe,
da sofisticada essência
que possui
e das filigranas
- finas ourivesarias
da emoção -
que me contam que
“sem amor, eu nada seria”..."
Pedro Moacyr Pérez da Silveira, é professor de Filosofia do Direito, na Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul. É meu amigo e escreve com a sensibilidade dos poetas.
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