David Coimbra é jornalista, escritor e pai do Bernardo. Leio o David há muito tempo. É daquelas pessoas que encontramos no supermercado, na livraria ou no bar e ele é sempre um querido. Saber da sua doença, foi uma surpresa desagradável e triste. E fiquei comovida quando li esta crônica em que ele reflete sobre a Vida e como a sentimos.
Mais uma vez, David se supera e abre a roda da conversa. É um convite à reflexão, uma pausa para pensar, uma intimação para cuidar do corpo e da alma (ou qualquer outro nome para a essência que mantém o corpo).
Mais uma vez, David se supera e abre a roda da conversa. É um convite à reflexão, uma pausa para pensar, uma intimação para cuidar do corpo e da alma (ou qualquer outro nome para a essência que mantém o corpo).
DAVID COIMBRA
"Não gosto de filme de doença, nem de filme que só tem japonês. Quando estive no Oriente Longínquo, porém, me encantei tanto pelo Japão e pelos japoneses, que abri exceção para alguns filmes em que havia exclusivamente atores de olhos amendoados. E agora, no momento em que passo por alguma vicissitude física, nada mais me ressoa, reboa e retumba na cabeça além de palavras que antes eu tratava com indiferença: tomografia, ressonância, contraste, pet-scan.
São palavras desagradáveis, mas nenhuma delas é tão terrível quanto as duas que vou escrever a seguir, espero que você nunca tenha de ocupar sua cabeça pensando nelas, estremeço só de citá-las: neoplasia maligna. Um horror. Por isso, posso ver filme só com japonês, mas não de doença. Doença, a que me atormenta o espírito.
O fato é que a sua mente fica obcecada pelo seu corpo, se você passa por algum problema físico. No entanto, o sofrimento mostra com clareza como eu não sou o meu corpo, e isso é muito estranho, é algo sobre o qual jamais havia pensado e que tenho de compartilhar com você.
O que compreendi é que dependo do meu corpo, o que meu corpo sente pode me fazer feliz ou infeliz, mas, ao mesmo tempo, eu não sou o meu corpo. Eu sou algo além dele, embora esteja dentro dele e faça parte dele e ele faça parte de mim. Mais ou menos como quando vejo fotos antigas minhas, quando leio textos antigos meus, quando lembro do que pensava e não penso mais. Estou sempre mudando, o meu corpo muda, as minhas ideias mudam, mas a minha essência é a mesma.
Será isso o que as pessoas religiosas chamam de “alma”? Será isso o que Schopenhauer chamava de “vontade”? Aquilo que Kant dizia estar além da “razão pura”? Ou o que Freud localizou estar situado camadas abaixo do consciente?
Não sei. O que sei é que gostaria de isolar essa “essência”. Gostaria de torná-la independente do corpo e da mente para, finalmente, descobrir quem eu na verdade sou. Então, olharia com condescendência para os padecimentos do meu corpo, para as inquietações da minha mente, abriria um sorriso e diria, de mim para mim: sou maior do que isso.
Pena que não consiga, pena que siga sendo sempre dependente da condição física, tão escravo das minhas circunstâncias, tão miseravelmente pequeno."
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