Para um dia de domingo, um texto delicioso do meu amigo CARLOS EDUARDO LEAL.
Há dias que também acordo outras e sei que tom terá meu dia. Talvez, por isto tenha me identificado tanto com este texto.
Busquei lá do seu blog, um passeio pelas inquietudes literárias do Carlos Eduardo.
"Existem dias que acordo Fernando Pessoa. Então a vida me desnorteia em muitos eus profundos. Nestes dias desassossego em poesias e heterônimos. Corro para a Tabacaria mais próxima e fico absorto, sem metafísicas. Percorro Campos, perscruto Álvaros e Bernardos. Tenho abalos sísmicos com Ricardo Reis até que de repente tudo se acalma e quando vou ver a bruma noturna já engoliu o dia.
Existem dias que acordo Clarice Lispector. O mistério ronda a alma, o amor me acolhe de maneira incompreensível e quero pular para dentro de todas as palavras que ficaram interrompidas, todas as reticências que iniciaram frases. Dias assim, tenho saudades do bonde, do Jardim Botânico e de Macabéa. Preciso me recolher ao quarto da empregada e cheirar passados. Ulisses é a angústia por vir: medo e insegurança diante da aprendizagem do amor...e dos prazeres.
Existem dias que acordo Raduan Nassar. Então o incesto brota de forma larvar nas minhas reminiscências avoengas. Estou só. Planto Lavouras Arcaicas e sinto o ódio subir a sebe quando as putas das formigas destroem relações e transbordo copos de cólera.
Existem dias que acordo Samuel Beckett. Acordo com intermitências gritando nas veias: tento. fracasso. não importa. tento outra vez. fracasso de novo. fracasso melhor. tento de novo. falho de novo. falho melhor. Nestes dias não consigo parar de escrever. preciso parar de escrever. não quero parar de escrever. não posso. preciso. ainda mais. mais, ainda.
Existem dias que acordo Guimarães Rosa. Redemunhos e cãos ladram ao redor das minhas ideias. Tudo é um urubuquaquá no pinhém. Pego espingardas, chamo jagunços, embrenho sertões e amo Diadorim. Dias assim são para reinventar pedaços que ficaram desnorteados na vida. Os buritis dão sombra para minhas veredas. Fico na terceira margem das palavras banhando-me nas encostas da alegria.
Existem dias que acordo Carlos Drummond de Andrade. O mundo torna-se grande como numa janela sobre o mar. Pergunto por José. E agora José? O tempo, o amor e o desejo respondem de outros lugares. Mergulho em poemas e memórias: "Amar o perdido/deixa confundido/este coração." Drummond é uma vida inteira em mim.
Existem dias que acordo Dostoievski. Então acho, não sem culpas, que a beleza salvará o mundo. Cometo crimes e espero pelos castigos. Sou um idiota, mas é deste lugar que posso dizer o que quiser.
Existem dias que acordo Nicolai Gogol. Então quero ser um inspetor geral das coisas que ainda não sei. E me faço passar por comprador de almas mortas. Sou rico. Farsantemente rico e opulento. E desdenho burguesias a ponto de meu nariz andar em pé sozinho, destacado do meu corpo.
Existem dias que acordo Machado de Assis. Então sou um bruxo do Cosme Velho e tenho ciúmes doentios de todas as capitulinas que me cercam. Faço uma canção para a missa do galo e desconheço-me se me retiram os espelhos. Em dias assim a dualidade da alma fica aos destroços.
Existem dias que acordo Nelson Rodrigues. Bonitinho, mas ordinário. E eu que não sou fluminense vou a todos os jogos deste time e creio na vida como ela é: "é impossível amar e ser feliz ao mesmo tempo" ou digo que "pouco amor não é amor". Dias assim, transbordo erótico.
Exstem dias que acordo Paulo Coelho. Ai, nestes dias quero me matar. Nem levanto da cama porque acho que ainda estou tendo pesadelos..."
Para ouvir, Sinatra!
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