Que horas são?

sábado, 24 de dezembro de 2011



                           (presépio montado na escola do meu filho)


"Que na noite de Natal possamos celebrar os presentes e não lamentar aqueles que não puderam comparecer."

(Livia Garcia Roza)





E porque é véspera de Natal, fiquei pensando sobre o fato de que a Vida não me apresentou o Natal quando eu era criança. Cresci sem que esta data representasse muito pra mim, a não ser um certo desconforto e deslocamento no cenário natalino.



Por vezes vejo crianças fascinadas com as árvores de Natal. Não vivi isto. E, na tentativa de preencher este espaço, busquei na memória algo equivalente. E as descobertas foram muitas.



Na casa da minha avó paterna "tudo podia", os limites eram os da nossa imaginação. Cresci convivendo com meu primo, apenas um ano mais velho do que eu, e que era o típico menino do interior. Subia em árvores, andava descalço, tomava banho de chuva. E eu, a menina que não podia sujar a roupa, muito menos andar descalça. Sol? Nem pensar. Branquinha!


Brincávamos horas seguidas, construíamos nossos brinquedos e minha avó era a parceira que dava vida à nossa imaginação. Eram dela os lençóis que amarrávamos para fazer casinha, enquanto ela preparava o bolo para a "nossa casa".

Então lembrei que meus olhos brilhavam, quando  descobria um ovo no galinheiro, ou colhia a cenoura e aquela cor vibrante me fascinava. E da vez que colhi uma cenoura ainda muito pequena e minha avó disse que era preciso esperar o tempo certo para colher, que aquela era uma "cenoura - bebê" e necessitava ficar com a sua mãe, a terra. Chorei copiosamente, por horas, porque senti "pena" da cenoura e de tê-la afastado da sua mãe. Acho que neste momento comecei a entender a palavra CULPA.


E a aventura que era procurar os morangos mais vermelhinhos debaixo das folhas verdes. Encontrá-los era um prêmio que podíamos saborear ali mesmo. E se fosse de manhã bem cedinho? Tudo certo, aquele seria nosso café da manhã.

E, desde cedo aprendi que as coisas mais interessantes nem sempre têm acesso fácil. Assim era com os figos. O mais bonito, mais maduro estava sempre no topo  da figueira. Tão cedo já comecei a entender que a relação entre homens e mulheres é complementar. Por que não subia em árvores, era necessário convencer meu primo a ir até lá e colher para mim. O que por vezes exigia um tempo maior para convencê-lo.

E os caquis???!!!  Maravilhosos!!  Logo depois da figueira, havia um pé de caqui, estes mais acessíveis. E deliciosos! Até hoje amo esta fruta.

Andávamos mais um pouco e havia uma plantação de taquaras (uma prima do bambu). Podíamos entrar ali como se entrássemos em uma floresta encantada. Um portal para um mundo em que reinávamos absolutos. Descobríamos insetos, guardávamos objetos, organizávamos uma casa. Adultos não eram bem vindos.

À noite, ficávamos sentados debaixo de uma parreira enorme, ouvindo meu avô contar seus causos. Histórias incríveis, com homens valentes, animais perigosos e um herói, claro. O cenário sempre era uma estância no pampa gaúcho, "com muitas quadras de campo", ele dizia. Os homens todos eram corajosos e as mulheres delicadas e frágeis, que precisavam ser protegidas.

Com ele aprendemos os nomes das estrelas, e eu não entendia quem havia escolhido estes nomes: "Três Marias", "Cruzeiro do Sul"... E por que elas pareciam dançar no céu? E a Lua? Meu avô jurava que São Jorge ainda estava lá.

Agora, entendo que ele criava estas histórias no momento que nos reuníamos. Ia acrescentando personagens e cenários à medida que nosso interesse aumentava. O que ele não contava era com o espírito crítico do meu primo, que, volta e meia, fazia uma pergunta que mudaria o rumo da história. "E se a onça fosse menor?", " E se a cobra fosse maior?", "E se o homem corajoso sentisse medo e sentisse dor de barriga?". Perguntas pertinentes, é claro. Não para o meu avô que tratava de encerrar a história e deixar a nossa imaginação fervilhando.

Em dias de chuva, minha avó fazia pão e bolo, e podíamos ser seus ajudantes, trabalhar a massa, espalhar a farinha com as mãos, quebrar os ovos e comer os "restinhos" das coberturas e recheios. Sem falar naquelas forminhas para confeitar o bolo. Vários formatos...estrelinhas, luas, corações.

E as fornadas de merengue assado?? Divinos!! Nunca mais comi nada igual. Crocantes por fora,  e dentro, muito merengue derretido 



Minha avó fazia bonecas de pano com enchimento de meias. Tardes inteiras costurando à mão. Ponto a ponto. E eu, aos cinco, seis anos, achava aquilo tudo muito mágico.


Na casa da minha avó materna, as permissões eram poucas e os limites muitos, mas havia outro mundo que me fascinava: o mundo da moda.

Ela era costureira, confeccionava roupas para as mulheres mais elegantes da cidade, numa época em que as pessoas frequentavam um ateliê de costura.

Folhear as revistas de moda, organizar as linhas coloridas, enfiar a linha na agulha da máquina e saber a função do dedal e dos moldes. Ver aquelas mulheres provando as roupas, vê-las prontas e acompanhar minha avó na entrega era   muito interessante. 

Agora vejo que, nesta convivência, comecei a treinar meu olhar para o universo das roupas e das cores, aprendi a transitar no mundo feminino e suas delicadezas e sutilezas. Hoje, apesar de nunca ter seguido padrão de moda e beleza, sou totalmente fascinada por este universo. A moda e sua linguagem que seduz.

Até onde minha memória alcança, estas são as melhores passagens daquele período.

Comecei este texto falando do que a vida não tinha me apresentado e fiz isto em dois parágrafos. Em contrapartida, listei várias situações em que, certamente meu olho brilhou muito, meu coração  bateu descompassado e minha ingenuidade me fazia crer que aquilo era felicidade. E era tanta, que misturou-se a várias outras lembranças e ressurge agora, colorida, vibrante e intensa, para que eu saiba valorizar os presentes e conviver com as lacunas.


"Que na noite de Natal possamos celebrar os presentes e não lamentar aqueles que não puderam comparecer."

Inspirada nesta frase da Livia Garcia Roza, desejo um FELIZ NATAL para todos vocês.
Muitas bençãos nas suas vidas, saúde, paz, amor e que saibamos valorizar cada momento que a Vida nos oferece.




2 comentários:

  1. Sabe, Ana,há tempos venho pensando em escrever sobre isto, pra guardar melhor. Daí neste dia acordei com o texto praticamente pronto. Muito bom!

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