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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

 
A lucidez do texto da  Bety Orsini que traz o pensamento de Marcia Frazão e Viviane Mosé  sobre a cultura de não repetir roupas.


Uma boa reflexão sobre consumo, filosofia de vida, sustentabilidade, moda e elegância.




USE  E  ABUSE

"Há anos acompanho a preocupação das mulheres em não repetir roupa. Outro dia mesmo, uma amiga estava desesperada atrás de um modelito novo para usar num casamento, quando arrisquei um "usa o do ano passado, ninguém vai notar". Diante do meu conselho, ela me olhou com um olhar reprovador e concluiu: "Você acha que eu vou pagar esse mico?"

Fiquei observando a cena com cara de paisagem e de repente me dei conta de que todas as pessoas elegantes que conheci na vida repetiam roupa. E as sensatas também. Por isso, não foi surpresa alguma ver cabecinhas coroadas repetindo as suas e lendo comentários maldosos da mídia como aconteceu com a princesa Kate Middleton e a presidente Dilma Rousseff.


Nosso querido Cao Albuquerque, figurinista de "A grande família", usa as mesmas peças há pelo menos dez anos e diz que todas elas são envolvidas com afetividade. "Ah, Bety, graças a Deus não conheço pessoas que não repetem roupa. E olha que eu conheço é gente...". A escritora Marcia Frazão, que faz poesia com qualquer coisa, acha que repetir roupa é ludibriar o tempo e se fazer eterno. Para quem não sabe, ela coleciona "roupas almadas", aquelas dos mortos de sua família e também as de ilustres desconhecidos garimpadas em brechós.


"Não ria, Bety, mas uma vez topei, literalmente, com um blazer Versace, ainda com etiqueta, num bazar de caridade. Comprei. E não por ser um Versace, afinal ninguém iria puxar a gola para ver a etiqueta lá dentro. Comprei porque na hora me veio a imagem de uma italiana lindíssima espatifando a sua Ferrari numa árvore de uma estrada cheia de curvas, depois de ter flagrado o marido com a melhor amiga." Marcia faz questão de perpetuar instantes significativos que ficam impregnados nas roupas. "De um jeito torto, é como se eu trouxesse outra vez para a vida esses momentos." Ela guarda até hoje roupas dos anos 70 e, vez por outra, desfila com elas, mesmo sabendo que a Marcia que ia ao Píer e depois tomava chope no Castelinho não habita mais o seu corpo. "Nos dias que visto essas roupas, dou uma banana para o tempo e para a opinião pública. Enfim, repito roupas, tanto as minhas como as dos doces fantasmas da minha família e das fantasmas muito loucas que recolho nos brechós."


"Não repetir uma roupa é como ouvir uma música uma só vez, é não se deixar acariciar pelo que de familiar e afetivo existe naquilo que, como uma roupa, nos conforta, nos cobre, nos embeleza, nos faz sentir em casa", poetiza a filósofa Viviane Mosé. Para ela, por serem contemporaneamente elegantes, a princesa Kate repete roupa e Michele Obama aparece usando a popular marca J. Crew. "Deselegante é quem tem uma armário entupido, vazando CO2 por todo lado."
 
Os tempos mudaram, garante a figurinista Lucinha Karabtchevsky. Para ela, nos tempos de hoje, menos é mais. E em todos os sentidos. Lucinha dá nota dez para posturas mais ecológicas e sem desperdícios e atitudes mais low profile que exibicionistas. E lembra que a enorme diferença entre as classes sociais no Brasil é gritante e extremamente constrangedora para quem tem um mínimo de sensibilidade. Para Lucinha, a roupa deve ser usada de uma forma natural, não forçada. "Quanto da nossa história pode existir em uma música, uma peça de roupa ou uma joia? Quantas vezes ouvimos a mesma música, aquela que nos transporta e nos faz reviver momentos importantes? Para mim, a roupa é a manifestação explícita do nosso ser, do nosso gosto, do nosso humor, da forma que estamos nos sentindo em determinado momento. Não repetir uma roupa é como ouvir uma música uma única vez... É não se deixar acariciar pelo que de familiar e afetivo na peça que nos conforta, nos cobre, nos embeleza, nos faz sentir em casa.
 
Algumas pessoas acham que a própria expressão "repetir roupa" não faz mais sentido, como Rosane Feijão, autora de "Moda e modernidade na belle époque carioca". Para ela, já existe uma compreensão de que a elegância é uma composição muito mais complexa do que simplesmente vestir esta ou aquela peça. Ela lembra que atualmente usa-se uma expressão em inglês, o look, que envolve, além das roupas, acessórios que vão de sapatos e bolsas a meias e chapéus, passando por lenços, óculos, bijuterias ou joias. "As variáveis são tantas que a preocupação em não repetir roupa acaba significando falta de confiança e de criatividade para usar a mesma peça em produções com significados completamente diferentes. Se, na Natureza nada se cria, tudo se transforma, na moda dá pra criar muita coisa apostando na transformação."

BETY ORSINI

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